sexta-feira, 21 de julho de 2017

A tragicômica história do tio Virgílio

                                   Conto

Gente, dessa vez eu vou contar pra vocês a tragicômica história do tio Virgílio, marido da saudosa tia Ana. A nossa vida é de natureza tragicômica mesmo, né? E, pra fazer um jogo de palavras simpático e no qual vejo muito sentido, digo que é até bom a gente fazer graça com a desgraça. É mais ou menos o que todo mundo faz quando desabafa na timeline do Facebook, fazendo piada com alguma adversidade.
Na história do tio Virgílio e da família, a comicidade veio uns meses depois da tragédia, e trouxe consigo um ar de leveza diante da realidade que se impunha. Acontece que, depois de um avc, tio Virgílio começou a apresentar um quadro de violento alzheimer. O tio foi esquecendo das pessoas e parando de falar. Em pouco tempo, seu vocábulo se reduziu a quatro palavras. Na verdade três; a quarta palavra era uma abreviação. E era tudo palavrão. Tio Virgílio só dizia "caralho", "cacete", "porra" e "orra".
Eu não consigo lembrar da história do tio sem lembrar do conceito de jogos de linguagem do Wittgenstein. O filósofo trabalhava tentando desconstruir a ideia de função designativa da linguagem, de que toda palavra corresponderia a um objeto no mundo. Wittgenstein defendia a tese de que as palavras tem significado de acordo com o meio em que são empregadas.
Tio Virgílio, depois do avc, passou a se valer de apenas um restrito e indecoroso jogo de linguagem. Óbvio que um idoso enfermo nem precisa de muito vocabulário. Em casa, na companhia de familiares, numa vida restrita a poucos movimentos, quase sempre monótonos, a linguagem não é algo que faça tanta diferença.
O curioso da história é que tio Virgílio perdeu a capacidade de articular palavra mas não perdeu o costume de falar palavrão, e passou a empregar os palavrões pra todas as ocasiões.
Tia Ana, por exemplo, chegava com o bule de café e o marido soltava um comentário. Se o café tivesse demorado muito, o tio soltava um "cacete", com voz frágil mas autoritária. Se o café estivesse muito quente, soltava um "porra", como se a xícara lhe queimasse os dedos. Se o café estivesse amargo, era um "caralho", compassado e acompanhado de sobrancelhas cerradas.
A molecada se divertia. Tia Ana fazia um ar de reprovação mas se resignava. Era uma mulher sem muitos moralismos. Minha impressão é de que ela ficava chateada pelo fato do tio ser ranzinza, e não pelos palavrões em si. E, no fim das contas, tudo virava gozação, como aquela turma que via a Dercy Gonçalves falando um palavrão atrás do outro na tv e se esborrachava de rir.
_Orra!, dizia o tio após uma colherada no bolo de cenoura da tia.
Tio Virgílio morreu falando o que era estritamente necessário. Reclamava do café pelando mas sabia reconhecer o virtuoso bolo da tia. Lembro sempre disso ao falar do tio, além do Wittgenstein. Não tem jeito, a vida é tragicômica.    

domingo, 9 de julho de 2017

Educar as massas para a resistência

Se o Brasil fosse um país sério, o Edir Macedo estaria preso e condenado à prisão perpétua, e o Aécio já teria sido deposto do cargo no senado e pego uns bons anos de cadeia. Mas não, aqui o regime burguês degenerado é tão descarado que esses e outros descalabros passam e a vida segue mais ou menos como se nada tivesse acontecido.
Falo isso por dois fatos que encontraram repercussão na mídia essa semana. O primeiro foi que a Igreja Universal completou 40 anos e um número grande de políticos e ministros de estado foram ao templo de Salomão puxar o saco dos magnatas enganadores de gente simplória. E o segundo fato foi o Aécio sendo salvo no conselho de ética do senado após ter o mandato restabelecido por decisão monocrática do ministro Marco Aurélio, do STF.
Resumo da ópera, os picaretas estão mais tranquilos do que nunca. O grande acordo nacional, com o Supremo, com tudo, como revelado no áudio vazado de Romero Jucá, estabeleceu no poder uma camarilha de golpistas usurpadores e mergulhou o país numa situação ainda mais desastrosa. Pois é, por pior que a situação esteja, sempre tem como piorar.
Outra nota da semana foi o cinismo de Temer, cinismo tão escandaloso que o mesmo, em viagem a Hamburgo, para a cúpula do G20, onde foi beijar as mãos dos chefetes imperialistas, respondeu a jornalistas que não há crise no Brasil. Vejam só a que ponto chegamos: três anos consecutivos de recessão, desemprego na casa dos 13%, a miséria social voltando à tona violentamente, e o crápula vem com uma conversa dessa! Disse aos jornalistas que a inflação está caindo.
Esqueceu de dizer que o cenário é de deflação, ou seja, os preços estão caindo porque não há consumo. O poder de compra do povo foi reduzido a níveis baixíssimos e a indústria é obrigada a reduzir os preços na tentativa de desaguar a produção. Os preços caem, mas os capitalistas não lucram como desejam e tendem a demitir trabalhadores pra enxugar gastos e manter alguma taxa de lucro.
Enquanto isso, a reforma trabalhista caminha no congresso nacional, a despeito da completa ilegitimidade do governo golpista e dos parlamentares comprados pela banca capitalista. E o trabalhador brasileiro se vê prestes a perder direitos historicamente conquistados na CLT, ao passo que a reforma da previdência também avança pra surrupiar direitos.
Ou seja, trabalhador no Brasil contribui com impostos e não recebe nunca a contrapartida em serviços básicos. Saúde, educação, moradia, tudo anda pela hora da morte. E por falar em morte, muitos chegarão lá sem aposentadoria, numa velhice de privações e dificuldades.
Metade do orçamento da união sendo drenado para a farra dos rentistas, uma bolha imobiliária sempre na iminência de arrebentar com a economia, juros escorchantes sobre o povo pra garantir os lucros exorbitantes dos banqueiros... Tudo isso e os capitalistas não se dão por satisfeitos!
A desigualdade social aumenta e a espoliação fica mais descarada. Situação extremamente delicada a do trabalhador brasileiro. O mesmo anda apático, desesperançoso com a burocracia sindical que não se mobiliza e que muitas vezes cede descaradamente aos patrões. Essa grave e desastrosa conjuntura exige intervenção firme da esquerda revolucionária, resoluto propósito das forças progressistas no sentido de oferecer aos trabalhadores uma educação contra - hegemônica e emancipatória. Porque não há como depositar esperança nas instituições falidas ou esperar reverter os atuais reveses por dentro do regime de poder que está colocado.
A classe trabalhadora necessita de uma direção capaz de apontar para um horizonte revolucionário e de articular uma incessante intervenção no campo da comunicação e da educação das massas. Porque o ensino público tem sido propositadamente desmantelado pelos gerentes de plantão do capitalismo putrefato, a imprensa burguesa investe covardemente contra nossa juventude, pavimentando o caminho da reação com desinformação, alienação, fetiches ideológicos da pós - modernidade e todo tipo de lixo disseminado pela indústria cultural.
O caminho da revolução passa inexoravelmente pelo combate claro e objetivo a essa imprensa venal e tudo que ela representa, denunciando sua íntima ligação ao capital especulativo.
Não é tempo de esmorecimento, apesar de tamanhas desgraças, e como nos querem fazer crer os ideólogos do lado de lá. A história não acabou. O tempo é de resistência e trabalho pesado de conscientização. E vamos à luta!

quinta-feira, 6 de julho de 2017

Inverno de São Paulo - haicai

Dia frio em São Paulo
Me pede chá com bolinhos
Grão, sabor, caminhos

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O tradicional haicai japonês possui uma estrutura específica, ou seja, uma forma fixa composta de três versos (terceto) formados por 17 sílabas poéticas, ou seja: Primeiro verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo) Segundo verso: apresenta 7 sílabas poéticas (heptassílabo) Terceiro verso: apresenta 5 sílabas poéticas (pentassílabo)

Um dia depois de conhecer Adelgício

Um dia depois de conhecer Adelgício,
Me lembrava ainda zombeteiro do nome de gnomo
Achava que a figura simpática
Não merecia alcunha mais bisonha
E risonho me dava conta da rima com meretrício

Um dia depois de conhecer Adelgício, o poeta de feições contrastantes
Hércules Quasímodo de pele de
Nascituro e corpete de sertanejo miúdo,
Me lembrava satisfeito da comida repartida
Eu que prostituía alguma verve, numa montanha pop, faminto,
Aceitaria pão por instinto, e ganhei também um amigo

Foi um pôr-do-sol soberbo que trouxe consigo
A sorte de um singular encontro
Até as pedras se encontram, diria o matuto mineiro
E os malucos também, acrescentaria em tom jocoso e certeiro
No topo de um desfiladeiro, em escarpas
Artísticas pinceladas por mãos divinas
Ou em corredor de hospício, trecho
Comum a mochileiros outsiders

É mais ou menos isso que penso agora.
Foi o que pensei um dia depois de conhecer Adelgício


Poema em resposta a meu amigo Adel, que me tornou personagem de um poema seu. Segue o poema logo abaixo.


                                            No dia em que conheci Mário Medina

Todas as fadas dormiam
Os lobos andavam aflitos com a
Novidade
Haviam dois pássaros de aço
Sobrevoando o Japão
Na América do Norte um corpo foi
Deixado na calçada
E no Ártico um esquimó contava uma
Lenda à família

No dia em que bebemos café em São
Tomé
O papa rezou solitário um disco de Pink
Floyd
Uma menina descobriu-se vegetariana na Rússia

Nesse dia, eu plantei uma cruz na
Mochila
E carreguei a paz no espelho da madrasta

Tudo isso ocorria, e ele, o Mário Medina,
Nem desconfiava como era conduzido o
Fio da narrativa

                                          Adel Alves

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