segunda-feira, 26 de março de 2018

O Rei da Vela / Um retrato social intenso

Esse fim de semana fui ver uma montagem da peça O Rei da Vela, texto coletivo do grupo Cia Mixórdia e direção de Carolina Angrisani, baseada na obra de Oswald Andrade, peça que recentemente teve outra adaptação de Zé Celso. Saí de lá impressionado com a lucidez política dos caras. Traçaram um perfil cortante do coxinha brasileiro, o paneleiro, o CBF, o brasileiro médio reacionário. A peça é um tapa na cara da coxinhada.
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Como o Zé Simão costuma falar, o Brasil é o país da piada pronta. A política aqui é tão desmoralizada, a situação toda é tão patética, que até fica fácil fazer graça, é verdade. Mas a peça pinta com maestria o quadro político nacional; não é vulgar, não é rasteira; pelo contrário, hiperboliza o perfil falso-moralista e cínico dos golpistas, mas de modo a revelar os desejos latentes por trás da intolerância e do reacionarismo dos caras. Pra isso foram buscar na antropofagia de Oswald um elo histórico que mostrasse o complexo vira-lata do brasileiro, subserviente aos desmandos do imperialismo.

A peça retrata um industrial fabricante de velas em ruína financeira que se vê refém do capital americano. Um personagem que retrata bem o burguês brasileiro, lambe-botas, sem personalidade, que aceita passivamente a ingerência imperialista, que se resigna em viver de pedir as bênçãos do Tio Sam. Aliás, este é um dos personagens, excursionando ao Brasil pra "fazer a limpa". Com muita tranquilidade, sem resistências ou oposições patrióticas.

A gente sabe que a história do Brasil é uma história de lutas sociais e muitas resistências. Mas a peça trata da burguesia lacaia, da classe média coxinha imbuída da ideologia do sonho americano. O brasileiro médio só não abre mão do futebol e do carnaval. Do resto ele não reclama propriedade. Soberania é termo que não consta no dicionário da elite tupiniquim. Tudo isso a peça retrata com absoluto êxito. A concepção é perfeita. Faltou uma produção que estivesse à altura de seu gênio criativo.

Tenho uma amiga que estava na peça (e digo assim porque eles saíram de cartaz ontem) e fiz questão de dizer a ela que uma obra dessas devia estar circulando por aí, com fomento, patrocínio, encenando em teatros grandes, com figurinos de primeira, elenco forte, etc.
Duas atrizes e um ator se destacavam entre um elenco que julguei amador para algo da envergadura e propositura do que trouxeram público. Dá uma chateação ver o figurino pobre, a estrutura precária. O teatro de vanguarda no Brasil tá meio jogado às traças. Mas é isso, tem que resistir e fazer na marra, tem que denunciar essa nossa secular condição subalterna, esse estado permanente de golpes palacianos e imbecilização.

Viva a arte crítica e engajada!
Viva a antropofagia!


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sexta-feira, 16 de março de 2018

O andar de cima não quer os de baixo por perto

Algumas reflexões pertinentes ao momento político, na esteira do atentado à vereadora Marielle

A morte da vereadora Marielle, uma evidente execução com motivação política, é mais um evento trágico que tem comovido o país, e que inclusive ganhou manchetes internacionais. No Brasil hoje só se falava disso. Não sem razão. O crime aconteceu alguns dias após o início da intervenção federal no Rio, ato político de Temer rechaçado pelo partido da vereadora, que estava como relatora da comissão parlamentar que acompanha a intervenção na capital carioca.
Oportuno frisar que essas execuções acontecem desde sempre no país. Precedem o golpe, fazem parte de uma velha prática de silenciamento dos movimentos sociais por parte das elites estabelecidas. O que salta aos olhos é o fato de que a ativista agora assassinada estava em mandato público. Era vereadora na segunda maior cidade do país.

O que significa a morte de Marielle?

Significa que uma mulher negra, de origem simples, ativista, militante dos direitos humanos, por todas estas características foi morta; porque seus assassinos não a julgavam digna de um mandato parlamentar. O golpe contra Dilma teve o componente da misoginia. Pesou também o fato dela ser ex-guerrilheira, de um partido que se originou e tem por base a classe operária. Mais ou menos o que aconteceu agora com essa moça; foi morta porque as elites retrógradas querem cercear do espaço público não só os que a incomodam por oposição política ou de classe mas qualquer um que na sua obtusa maneira de ver o mundo não esteja de acordo com o perfil social  adequado ao espaço do poder, da institucionalidade burguesa. Esses facínoras querem o estado padrão das elites, um estado sem pobres e pretos, sem operários, sem direitos civis, direitos humanos, etc.

Tempos difíceis

É o prenúncio da barbárie, de um estado bonapartista, autêntico representante do capital, disposto à brutalização, ao sadismo. Esses caras não tem escrúpulos.
Eis o significado mais profundo por trás da execução.
O evento da morte de Marielle tem de ser analisado além do fato em si. Tem de ser contextualizado como desenrolar de um processo histórico, subordinado às contradições que estão colocadas no momento.
Essa morte agora é um fato político, e que fará outras coisas virem à tona.
Por mais que tudo pareça assumir feições de paroxismo, ainda há muito a ser desvelado.
É necessário ver como o Psol, por exemplo, irá reagir. A princípio o partido foi omisso em não convocar a população a um verdadeiro ato de insatisfação. O partido se contentou em exigir do poder público investigações adequadas à resolução do inquérito, o que evidencia sua opção político-ideológica pela via da institucionalidade burguesa; quando na verdade tudo indica que o crime foi inclusive perpetrado por forças internas ao estado. Coisa que sempre aconteceu no Brasil, e que ficou muito bem explicada no filme Tropa de Elite II.

Reflexos do golpe

O que já era de praxe na república de bananas agora tende a ser prática ainda mais corriqueira, com o desenvolvimento do golpe em curso, do estado de exceção, do estado policialesco com vistas a garantir a falsa ordem de uma nação que entrará em convulsão social, com a implementação de uma dura agenda de ajustes fiscais e corte em investimentos públicos.
O cenário é super preocupante. O mais acertado agora seria eliminar qualquer crença na suposta seriedade deste regime político cadavérico e criar uma mobilização popular que realmente fizesse frente aos ataques do capital.

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