quinta-feira, 26 de maio de 2016
Esse país não é sério
O Brasil é uma piada. Esse país não é sério, definitivamente. Vejam, vocês, habitamos um país em que o vice presidente eleito chega a conspirar abertamente para derrubar a cabeça de chapa presidencial e efetivamente a derruba, não sem o auxílio da maioria do senado e da câmara, que por sua vez também abrem mão de quaisquer escrúpulos de moralidade e na maior cara dura do mundo se vendem aos interesses imperialistas.
A hipocrisia reina quase absoluta por aqui. E é difícil ter de dar mão à palmatória e reconhecer, como o historiador Leandro Karnal o fez nessa semana, dizendo que um país com uma classe política desonesta não pode ser considerado um país de povo honesto.
E a questão aqui não é de analisar o Brasil apenas num contexto de luta de classes e regime eleitoral burguês. Elementos de cultura e história da formação desta nação precisam ser criteriosamente trazidos à superfície para um entendimento a contento do que faz desse país lugar tão trágico. Quem caminha por aí e observa com alguma atenção nosso cotidiano há de concordar comigo que as relações de interesse é que tem dado a tônica dos acontecimentos.
A filosofia de vida do brasileiro pode ser sondada em pequenos e corriqueiros fatos do dia a dia das cidades, nas filas de banco, nos supermercados, nas praças públicas. Ética e solidariedade são coisas cada vez mais raras por aí. Como poderia vigorar justiça em condições semelhantes?
O que dizer, por exemplo, de um lugar onde uma moça é estuprada por 30 homens de uma vez? Existe aqui uma defasagem ética gravíssima. O país do jeitinho, das irrisórias concessões à mentira e à malandragem, é também o país em que milhares de mulheres apanham dos maridos em casa; é o país em que o número de homicídios só baixa por intervenção do crime organizado nas comunidades. Não fosse por ordem de tais poderes paralelos, seríamos o país que mais mata no mundo.
Um dia desses eu tava num ônibus a caminho da faculdade e presenciei uma cena que me deixou estarrecido. Uma jovem entrou no coletivo lotado e em voz alta pediu assento, pois estava gestante. Vários homens estavam sentados mas nenhum lhe cedeu o lugar. Uma senhora idosa teve de levantar para que a grávida não seguisse o trajeto em pé.
O povo é mal educado mesmo. As pessoas raramente dão demonstração de gentileza genuína. Tudo é regulado pelo interesse. As pessoas, vejam só, no máximo estão dispostas a apenas retribuir. São boas com os que "fazem por merecer" sua bondade. Do contrário, na hora da vingança se mostram pródigas em maldades.
É só entrar num vagão do metrô em horário de pico pra ver do que as pessoas são capazes. A civilidade passa longe.
Pois bem, é essa massa que elege o governo e o congresso, os prefeitos e as câmaras municipais. Muitas dessas pessoas vendem o voto por dinheiro ou pequenos favores. Só isso explica o fato de políticos notadamente corruptos obterem votações expressivas. O interesse mais imediato do eleitor confere mandatos de quatro anos a parlamentares que, financiados por patrões, vão votar a política de seus fiadores. O círculo é vicioso e a merda predomina.
Trocando em miúdos, o Brasil amarga estrutura sócio-política frágil, desenvolvimento incipiente e cultura de curral eleitoral. Precisamos rever nossa história urgentemente ou teremos de conviver com estruturas arcaicas que nos massacram diariamente. Falta-nos honestidade com nós mesmos. Um dia há de haver seriedade nessa porra!
terça-feira, 17 de maio de 2016
Casa grande e senzala... resquícios
Hoje revi aquele último filme protagonizado pela Regina Case, que justiça seja feita, é sim uma ótima atriz. Tava com a tv ligada no Canal Brasil e vi que o "Que horas ela volta" seria transmitido. Entre outras tarefas corriqueiras me detive ali para revê-lo.
Filme de crítica ácida à pequena burguesia nacional, uma pancada nessa classe média-alta de merda que existe no Brasil.
Lembro que muito se falou da obra quando da sua estreia. À época choveram críticas, tanto positivas quanto negativas. Meio mundo deu pitaco na película, sinal de que ao menos o diretor conseguiu atrair atenção e estimular o debate.
De cara, me filiei aos que teciam elogios. Não entendi ou preferi não entender os argumentos do lado oposto. Agora penso que o mais razoável mesmo é desconsiderar os melindres elitistas dos que se negam a constatar o óbvio.
Se de fato existe uma classe dissimulada e hipócrita, essa é a elite branca do capitalismo ocidental. A nossa aqui no Brasil tem peculiaridades capazes de surpreender, com requintes de crueldade mas com toques de sutileza muito pertinentes à dissimulação.
Nisto os políticos brasileiros são insuperáveis; o homem cordial levado ao paroxismo. Tudo o que há do mais sofisticado oportunismo em nossa cultura de cordialidade interesseira.
O estereótipo representado no filme, da classe média-alta da metrópole paulistana em suas relações patronais com as domésticas nordestinas, é, na verdade, algo muito mais próximo da realidade do que os cronistas burgueses estão dispostos a admitir publicamente.
O filme em questão é exitoso em exprimir o mal estar latente na relação patrão-empregado no interior de um casarão burguês.
O constrangimento é praticamente inevitável numa situação similar, na qual os interesses de classe e as relações trabalhistas se passam dentro da intimidade de um lar. Ali as contradições assumem um caráter impar, de um estranhamento singular.
O que pensar, por exemplo, de uma dondoca que bate panela pra inserção do PT na tv mas que deixa a louça pra empregada lavar? Vamos considerar essa hipótese pra pensar melhor a questão. De fato é o que acontece em muitas casas por aí.
Uma quadra instigante do filme é quando a filha da empregada passa com louvor no vestibular. A reação da mãe é de deslumbre perante o sucesso da filha na prova, enquanto a reação da patroa é de ressentimento. A burguesa não aceita de bom grado a possibilidade de ascensão social da menina pobre. Esta expectativa põe em risco sua posição privilegiada.
Nisso o filme termina com um happy-end, um alento ao senso comum de que o acesso à educação é por si só uma alternativa à pobreza.
Doce ilusão essa. Mais palatável do que se dar conta de que a autonomia completa só pode ser fruto de uma justiça social ainda mais inclusiva do que este sistema social pode permitir. Esse sonho fica aos que preferem acreditar, como eu, que o ideal seria um mundo em que a profissão de empregada doméstica nem existisse, porque cada um ficaria responsável pela própria louça.