Poema
Vivendo no fim dos tempos,
Deslizo num turbilhão de náuseas
Haveria tempo oportuno aos flertes?Haveria ocasião para crimes como
presentear com flores um coronel?
Levanto das brumas do sono para a
voracidade da vigília temendo
inebriar - me de ódio.
Há razões de sobra envenenando os
dias.
Choro sentado numa poltrona,
Deploro um luto de cinco anos atrás.
Lastimo as inconclusas notas
taquigráficas dos inconclusos
discursos dos senhores deputados,
Os perturbados que foram Rimbauld,
Os meninos que leram Artaud,
E que não se conformaram com a merda toda -
Não tiveram paciência -
Os deserdados do meio fio,
Às páginas de Sartre que não li com
sobriedade porque minha náusea
extrapolava a náusea.
Devo ir ao banco dos réus,
Esbravejar e assumir uma culpa que não é minha,
De algo que não fiz,
De algo que devia ter feito,
Que me arrependi de não fazer.
Vou deglutir indignação,
Vou regurgitar demônios.
Há pouco eu caminhava pelas calçadas calculando os danos.
Mas estou vivo.
E meus pulmões reclamam rebeldia.
Nos estremecimentos, sobressaltos, nas orações e nos apontamentos,
No sangue que me corre nas veias,
Nas sinapses, nos embrulhos, no arroz com feijão.
Estou vivo e o tempo que é de fezes corre insubmisso.
Estou vivo e inclinado a celebrar tal movimento.
Inclinado a desaforar o destino.