quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Damnation. Luta de classes na veia








Dia desses comecei a assistir Netflix. Eu não me ligo em seriados, mas vi que a Netflix tem muitos filmes também. Pedi recomendações aos amigos e muitos deles me sugeriram a série Damnation. Vi que a série era de uma temporada só, dez episódios de 40 minutos cada. Resolvi conferir. 

Como não me ligo muito em seriados (prefiro filmes, onde a história se desenvolve e se encerra em questão de uma hora e meia ou duas), Damnation começou a prender minha atenção só a partir do sétimo episódio, já lá pelo final. 

Seriados tem aquela dinâmica de idas e vindas, né, aquele formato novela. Não é muito minha praia. Não digo que toda novela seja chata, que não haja boas novelas. É uma questão de preferência. 

Mas Damnation é realmente muito interessante. Tem uma leitura marxista da realidade. Fala de luta de classes, conta a história de dois irmãos que tomam rumos opostos. Um deles vira fura greve profissional, matador de líderes grevistas, e o outro vira revolucionário, comunista. 

O inusitado da história desse que vira revolucionário é que ele adota o disfarce de pastor evangélico. Ele é como um missionário, um pastor itinerante que vai de cidade em cidade pra levar sua mensagem e organizar comunidades. O nome dele é Sef. Sef se casa com uma moça revolucionária. Filha de um industrial, ela abandona a família e cai na militância política. Sef é o pastor e a ela cabe o papel de mulher do pastor. Os dois tem um discurso religioso, mas se valem disso para a agitação política com os trabalhadores, dizendo a eles que a vontade de Deus é que o povo viva bem e que resista à ganância dos patrões. 

Sef e a esposa se estabelecem numa cidadezinha do Iowa (a história se passa nos EUA dos anos 30, e retrata a grande depressão americana) e passam a liderar um grupo de fazendeiros pobres que se opõe aos bancos e aos ricaços. Eles batalham contra o sistema de hipotecas, em que muitos pobres perdem suas casas para os bancos, e contra o controle dos preços pelos monopólios, o que gera a miséria dos pequenos produtores locais.

E é uma história cheia de violência e sangue, de mortes, torturas, todo tipo de barbaridade e injustiças. Me lembrou bastante um romance do Jack London chamado O Tacão de Ferro, que resenhei aqui em 2017 se não me engano. Essa história do London também retrata a fúria da burguesia em busca de suas taxas de lucro, e também envolve espionagens, contra-espionagens, personagens que adotam disfarces, que vivem na clandestinidade, etc.

O fato realmente interessante nessa série, e aí entra um spoiler aqui, é que Sef, além de irmão do fura greve, é filho de fura greve e ele próprio fora fura greve na juventude. Em determinado momento se arrepende e muda de vida, como numa conversão religiosa. E de fato ele tem crença religiosa, ao contrário da esposa, que é ateia e que tão somente faz as vezes de mulher de pastor pra militar politicamente. 

É interessante que esse seriado coloca a questão da religião como elemento de libertação do povo. A religião que na maioria das vezes é instrumento da alienação mental dos explorados e miseráveis, o ópio do povo ao passo que serve de máscara ideológica aos donos do poder. 

Mas a religião pode servir a uma e outra coisa. Depende. Em alguns momentos da história a religião teve papel importantíssimo em revoltas populares. O verdadeiro espirito do cristianismo, por exemplo, é este. A igreja primitiva, nos primeiros séculos cristãos, antes que o Império Romano cedesse ao crescimento vertiginoso da nova religião, era uma crença de pobres e miseráveis que reivindicavam a dignidade humana, a fraternidade, a igualdade universal, o advento de um homem novo num reino de justiça. 

Em vários momentos da história essa questão ressurge ruidosa. O expoente desse pensamento nos dias de hoje é a Teologia da Libertação, e se observa essa influência no papado e nas palavras de Francisco. Nesse sentido, vivemos um período auspicioso, de ver no líder máximo da Igreja Católica um homem progressista e extremamente arejado.

Mas, enfim, esse meu pequeno texto é pra sugerir que vocês assistam Damnation. Aos professores, tá aí uma excelente opção pra trabalhar com os aluninhos. Vão chamar isso de doutrinação marxista...rs... Tomem cuidado!


Obs: Infelizmente a série não teve continuação. É uma temporada só. Aí dá pra ver em poucas horas. 

Os amigos me sugeriram uma série brasileira. 3%. Vou dar uma conferida. Aceito novas sugestões.