segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Dia de fúria

                                                                         Conto

Aconteceu numa loja de calçados. Num shopping que não vou nem mencionar o nome. Entrei lá pra procurar um tênis de corrida. Tava me remoendo num canto, minha angústia era ter de pagar 120 contos num tênis simples de corrida. Ok, tinha um de 100, mas esse só tinha amortecedor no calcanhar. Teria que desembolsar mais 20 pra garantir amortecedor atrás e na frente e sair com a consciência tranquila por proteger meus joelhos do impacto da corrida. E olha que tem gente que leva tênis de 500, 600 pilas! Eu queria uma coisa barata, que caísse bem ao meu bolso e que não me deixasse pesaroso depois por arrebentar rapidamente em alguma pista de terra nas quais me aventuro a ser atleta amador.
Como dizia, tava lá num canto, entretido com minhas próprias lamúrias. Mas foi impossível não notar o que começava a acontecer na minha frente. O primeiro movimento mais brusco foi um empurrão numa caixa de sapatos que repousava num dos balcões. Foi então que a moça começou a xingar, com xingamentos que iam dos menos para os mais ofensivos, progressivamente. Foi aumentando o tom de voz, num crescendo de fúria. Em menos de um minuto estava aos berros.
Eu já ouvi muito sobre casos de Burnout, já vi cenas de fúria pela tv, nessas reportagens curiosas de fim de telejornal. Enfim, nada parecido com a experiência de presenciar um de perto. Confesso que tive medo. Nunca se sabe, podia sobrar uma braçada pro meu lado, qualquer coisa assim.
Acho que a sorte do pessoal lá é que em uma loja de calçados não há muita coisa a se quebrar em momento de fúria. Até que a moça fosse contida, voaram pelos ares alguns poucos ítens de escritório: o teclado do computador, um telefone, um negócio que parecia ser um grampeador, coisas do tipo.
O mais constrangedor não ficou pelo déficit material da encrenca, mas pelas coisas que a vendedora dizia. Pois é, vendedora. Isso deu pra perceber pelo conteúdo dos berros.
- Sai daqui seu filho da puta! - gritava pra um colega da loja. - Eu tenho que bater essa meta!! Eu tenho que bater essa meta!! O que vai ser da minha filha se eu perder esse emprego?!
- Calma, Júlia, fica quieta! - dizia uma mulher tentando acalmá-la. Parecia ser a gerente do estabelecimento.
- Desse jeito eu vou voltar a fazer programa, Cláudia! - respondia a jovem entre soluços, o rosto vermelho feito um pimentão.
O clima ficou tenso por uns dez minutos. Esperei pra efetuar o pagamento do tênis. As coisas foram se acalmando e logo veio um rapaz trazendo um copo d'água. Acariciou-lhe o cabelo, ajeitando alguns fios revoltos.
- Tá tudo bem, fica tranquila, tô aqui com você.

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