sexta-feira, 29 de março de 2019

Manifesto da FIARI / Por uma arte revolucionária e independente



O manifesto da FIARI, a Frente Internacional por uma Arte Revolucionária e Independente, foi um dos manifestos mais importantes do século XX. Leon Trotsky e André Breton, tiveram em 1938, na Cidade do México, um encontro histórico do qual resultou, após muitos debates entre eles e outros agentes culturais, este documento, cuja versão final foi elaborada por Breton e Diego Rivera, com a aquiescência de Trotsky.

Breton, que teve passagem pelo Partido Comunista Francês, do qual chegou a ser expulso, se aproximou do trotskismo a partir de críticas à frente popular na França e de críticas à política da Internacional Comunista, controlada pelo stalinismo, que levou à derrota de várias revoluções em diferentes lugares do mundo, como Espanha e China, por exemplo.

Breton vai ao México visitar Trotsky em 1938 e dessa visita surge o documento em questão. O gênero do manifesto era muito comum entre as vanguardas artísticas do início do século XX. Serviam como espécie de panfleto, para disseminar as ideias de uma determinada escola. O manifesto da FIARI trazia os princípios revolucionários com relação à arte e à cultura.

É importante ter em mente que a burocracia soviética, de posse do Estado russo e do aparelho da Internacional Comunista, mantinha o controle dos artistas, transformando-os em lacaios do regime, suprimindo liberdade e personalidade artísticas. O manifesto da FIARI tem por fundamento defender a mais absoluta liberdade dos artistas. O capitalismo em declínio já não é capaz de assegurar ao artista a liberdade necessária à criação. Isso está dado.

Não há como se vislumbrar uma arte independente dentro de condições de um mercado monopolizado. Mais tarde outros autores, com destaque para o filósofo Adorno, trataram da questão da indústria cultural. Cinema, teatro, música, enfim, todos os ramos da arte se tornam objetos de mercadoria no capitalismo. E é a indústria e o mercado que definem a demanda de artes. Isso faz do artista um reprodutor, ao invés de incentivar o gênio criativo.

Já o Estado operário russo, que em seu início liberou a cultura e as apresentações artísticas aos trabalhadores, com a ascensão stalinista, as artes passaram a ser hegemonizadas pela burocracia, que ditava a criação dos artistas. Um aviltamento. Havia controle ideológico e político dos conteúdos tratados pela arte. O que reproduzia a mesma dinâmica de imposição de fora e alheia às artes.

O manifesto da FIARI, em consonância com o espírito do Programa de Transição da Quarta Internacional, que surgiu no mesmo ano, apontava para a necessidade de uma transição de regime político e de cultura. Tanto a arte é revolucionária por si mesma, como mais revolucionária será se estiver livre de quaisquer restrições ou manipulações.

Nada e ninguém deve restringir o espírito artístico, pelo bem da revolução e da humanidade. A luta por uma arte livre é essencialmente revolucionária. Como a burocracia soviética não era revolucionária, mas pelo contrário, contrarrevolucionária, mantinha a arte presa com grilhões.

A arte só será realmente independente com a vitória da revolução. Esse é o ponto central do manifesto. A contracultura, por exemplo, por mais progressista que seja, não será a solução para a arte, pois ainda não rompe com a materialidade capitalista. No limite, fica sob o domínio das modalidades clássicas e convencionais de arte, quando não é cooptada, que é o que geralmente acontece.

O poder do capital se espraia pela sociedade e o capitalismo se apodera dos espaços intelectuais e de espetáculos, controlando o espírito criativo, adormecendo o ímpeto revolucionário, sobretudo das juventudes, trazendo as manifestações artísticas para dentro de uma esfera de dominação da cultura do status quo. Isso, por exemplo, é muito comum no cinema. A indústria é poderosíssima e o poder financeiro por detrás incute ideologias em grande escala.

O mesmo acontece com as novelas, gênero popular no Brasil que faz as cabeças da massa. O caráter ideológico é marcante nessa modalidade de produto “cultural”. Nos programas de TV, de rádio, na música, os elementos progressivos são assimilados de modo a livrá-los do que tem de revolucionário, no sentido de domá-los dentro do que é tido como aceitável para o sistema.

É necessário, mais do que nunca, que os revolucionários se envolvam na luta por uma arte revolucionária e emancipada. Já o fazem ao passo em que lutam pela revolução. Como dissemos acima, arte e revolução dialogam entre si e dependem mutuamente do sucesso uma da outra.

No Brasil de hoje, e na América Latina, se faz necessário a independência do imperialismo e dos estrangeirismos. Não que a cultura pop não possa ser assimilada, mas que o seja de forma crítica, e sem que anule ou esmaeça o que temos de mais característico, nossa rica cultura popular, de resistência, de protesto.

Vários coletivos de arte surgem de norte a sul no nosso continente e no mundo. E nós somos entusiastas dessas iniciativas. É preciso se agrupar por fora das margens do sistema e fazer veicular insubmissa nossa arte e nossa criatividade, nossa cultura, contracultura. Por mais que os tempos sejam difíceis, devemos fazer com nossa militância, com nossa criatividade, uma arte que seja capaz de pensar o mundo de modo crítico, e de engendrar uma vaga revolucionária nas artes e nas ruas.

Para dialeticamente conspirar contra a atual ordem das coisas, criar hegemonia, contribuir com a movimentação revolucionária das classes populares. Ao passo que as sublevações populares e as revoluções criarão um mundo novo em que será possível a criação artística livre de quaisquer amarras, sem constrangimento externo de qualquer natureza.

Saudamos de especial maneira os artistas engajados, que fazem de suas artes verdadeiras metralhadoras antissistemas. Aos camaradas dos movimentos sociais, poetas, músicos, romancistas, cineastas das periferias, que fazem das tripas coração para publicar seus materiais, na maioria das vezes sem ganhar nada, mas tirando recursos dos próprios bolsos para fazer ver sua arte veiculada.

Levantamos a necessidade de criar amplos espaços de divulgação e congraçamento dos artistas revolucionários, como a criação de festivais e congressos, espaços que nos sirvam para compartilhar e dar vazão não só aos trabalhos uns dos outros, mas à novas estéticas, novas vanguardas, para vermos fluir o que muitas vezes a indústria e o monopólio estancam enquanto possibilidade artística.

Resultado de imagem para diego rivera obras

Cidadão Boilesen / Documentário

Resenha feita para o site do jornal Gazeta Revolucionária


Cidadão Boilesen é um documentário muito bem feito. Muito mesmo. Lançado em 2009, é certamente um dos melhores documentários brasileiros. Dinâmico, envolvente, com um timing muito feliz, a produção de Chaim Litewski conta a história de Hening Boilesen, dinamarquês radicado no Brasil, executivo, presidente do grupo empresarial Ultra, da Ultragaz.

Resultado de imagem para Cidadão BoilesenBoilesen era um dos figurões responsáveis pela Operação Bandeirantes ( Oban ), órgão surgido dos esquadrões da morte, grupos de militares que executavam marginais. A Oban era um grupo de empresários que se cotizavam para financiar a repressão aos movimentos políticos contrários à ditadura. Se ligaram aos militares e formaram um grupo integrado por policiais militares e civis, de forma clandestina, para defender os interesses das empresas.

Boilesen tinha destaque nesse grupo de empresários. Era um anti-comunista ferrenho. Além de angariar fundos com os ricaços, fazia questão de assistir às sessões de tortura e de participar inclusive. Trouxe dos Estados Unidos uma máquina de eletrochoques para que fosse usada nas torturas, que ficou conhecida como pianola de Boilesen. A máquina tinha um teclado em que havia várias gradações de descarga elétrica.

Reconhecido por guerrilheiros, foi sentenciado à morte. No dia 15 de Abril de 1971, na Alameda Casa Branca, em São Paulo, sofreu emboscada de guerrilheiros do Movimento Revolucionário Tiradentes ( MRT ) e da Aliança Libertadora Nacional  ( ALN ) e foi executado a tiros. Sobre seu corpo foram deixados panfletos que diziam o motivo do justiçamento.

O filme de Litewski teve o mérito de reconstruir em detalhes a história de Boilesen, desde o nascimento e a infância na Dinamarca, as controversas características da personalidade, boletins de colégio, a adolescência, o gosto por esportes ( foi boxeador na juventude ) etc, até a chegada ao Brasil, sua simpatia pelo país, seu jeito extrovertido, afeito à festas, sua facilidade de exercer liderança e a meteórica ascensão na carreira de executivo.

Resultado de imagem para Cidadão BoilesenOutro mérito do filme de Litewski é dar voz a todos os lados. O filme não necessita ser um samba de uma nota só. O espectador é livre para chegar a uma conclusão. O diretor, além de recorrer a jornalistas e historiadores, entrevista atores dos dois lados no conflito: militares e guerrilheiros, e inclusive o próprio filho de Boilesen. No filme, por exemplo, é  relevante a participação de Ulstra, coronel, chefe do DOI - CODI à época, e do ex presidente Fernando Henrique Cardoso.

Nada disso, no entanto, é capaz e ocultar o que fica evidente ao longo do documentário: Boilesen foi um psicopata, que tinha prazer sádico em presenciar torturas. Um direitista convicto. Boilesen representa bem a classe sócio-política a qual pertencia, sua ideologia e visão de mundo. Por isso se tornar objeto do documentário. Outros elementos tiveram naquela  organização política o mesmo peso e importância de Boilesen.

Não é de bom tom, claro, comemorar a morte de ninguém, mas cumpre dizer que Boilesen não fez falta alguma. Era o tipo de homem que se comprazia com a crueldade da tortura e com o servilismo aos donos da situação. Agora, há quase 50 anos do ocorrido, a poucos  dias de completar mais um aniversário do golpe de 64, trazemos aos leitores a memória e a sugestão desse bom filme, dessa discussão que permanece atual. Para que não se repita, para que  nunca mais aconteça.

Ditadura militar nunca mais! Viva os guerreiros brasileiros que tombaram na luta contra a ditadura!

sábado, 2 de março de 2019

A luta de classes como ela é



Ano passado, no dia da suposta facada ao então candidato presidencial Bolsonaro, duas "amigas" minhas (coxinhas as duas) me chamaram no Messenger pra me dar esporro e falar que estavam desfazendo a amizade. O motivo alegado era que eu estaria sendo contraditório e desumano ao publicar umas piadas sobre o incidente.

Naquele dia meio mundo se manifestou nas redes. Meio mundo desejando que o Bozo morresse. Eu não cheguei a dizer isso. Até porque eu sou cristão demais pra essas coisas. Eu fiquei tirando um barato, dizendo que "não se fazem mais esfaqueadores como antigamente, que o mineiro Adélio teria sabido dar uma facada se paraibano fosse", esse tipo de coisa. Isso porque desde então o episódio da facada gerava controvérsias.

Teria sido realmente atentado? Ou teria sido encenação mesmo? Não sei se é teoria da conspiração demais, mas até hoje tá mal explicada essa história. E outra: Tinha a contradição flagrante de ser a vítima da suposta facada um elemento que vinha havia anos fazendo os piores discursos de ódio. Evidente que fosse esperado o feitiço virar contra o feiticeiro.

Repito, não é do meu feitio desejar a morte de ninguém. Mas vamos supor que eu tivesse desejado. Não seria nada do outro mundo. Em se tratando de um fascista, um ser repugnante, um entreguista, um vende-pátria, em síntese, um sujeito que representa o maior perigo para o país, não seria nenhum absurdo achar que talvez devesse mesmo morrer. Eu não desejo que morra.

Não é a morte desse energúmeno que vai alterar a dinâmica da luta de classes com todas as suas inquietantes contradições. Se morrer o Bozo, o Mourão assume. Troca-se seis por meia dúzia e segue o golpe.

Pois bem, mas as minhas "amigas" não quiseram mais papo comigo. Vejam só, justo a direita, que fica por aí com as velhas cantilenas do "conservador nos costumes e liberal na economia", toda essa papagaiada da ideologia dominante senso comum, cínica, hipócrita, etc.

Eu não me oponho de ter amigo bolsominion. Essas "amigas que falassem que não queriam mais papo comigo por eu ser de esquerda, comunista, por achar o candidato delas um sujeito desprezível. Mas não. O argumento era de que eu não estava sendo humano.

Agora morre o netinho do Lula, situação trágica, uma criança de sete anos. Imaginem a família, o peso existencial que envolve uma fatalidade dessas, e surgem bolsonaristas do país inteiro comemorando. Só porque o menino é neto de um ex presidente que eles não gostam. Não precisa nem entrar no mérito do ódio que eles tem ao Lula. Mas por que, meu Deus, comemorar?

A gente pode caracterizar como psicopatia, como perversão; a gente pode abominar a sordidez, a miséria espiritual, etc. Mas no fundo não é caso de uma análise moralista. Isso tudo é reflexo da luta de classes. Essa polarização doentia é luta de classes.
A esquerda é naturalmente mais humana e solidária, ao passo que a direita é mais fria e individualista, claro. E à medida que a crise econômica engendra contradições e que a conjuntura se agudiza, esses tipos de comportamento vem à tona pra mostrar todo o ódio que estava latente. É o desrecalque. O conteúdo recalcado emerge. A crise econômica e a polarização política, com uma ajudinha do fenômeno das redes sociais, parem, do verbo parir, o monstro.

O ser humano não deu certo. Haja visto o sistema social que a gente vive. A gente não pode perder a utopia da justiça social, do homem novo, não pode perder a expectativa do comunismo, de um sistema social justo. Os conservadores parecem satisfeitos com o atual estado das coisas. São os que se beneficiam materialmente da exploração, ou que pelo peso da ideologia passaram para o lado dos exploradores.

A classe trabalhadora e os pobres precisam encontrar nas lutas sociais o caminho para a emancipação. Do jeito que tá não pode ficar.

Resultado de imagem para Luta de classes