segunda-feira, 22 de outubro de 2018

A história se repete

Para aqueles que ainda vêem o mundo tal como ele é, que não se fazem de sonsos, que não se escondem detrás do fascismo da vulgaridade e do habitual cinismo burguês, com vocês e entre vocês desejo traçar breve síntese do que estamos vendo nesses dias que se passam, diante da situação periclitante, das sucessivas surpresas da conjuntura sócio-política. Primeiro passo, não se deixar impressionar sem antes fazer uma análise fria e racional da realidade. Do que se trata tudo isso? Vamos lá.

Efeitos do acirramento da luta de classes.


Esse ódio de classe, assimilado ideologicamente pelo "pobre de direita", a classe média falida e reacionária, estava oculto, recalcado. A situação de aberta crise econômica e política está deixando tudo às claras agora. Esse fenômeno fascistoide é típico de conjunturas de extrema crise social. Assusta. Pelo teor da violência, pelo teor vulgar do ódio, aberto, declarado, sem máscaras. Mas esse ódio sempre esteve aí. E quem tem um conhecimento mínimo de história sabe do que se trata e aonde pode levar.
Existe ignorância, ingenuidade, uma porção de coisas nesse enorme bolo de partidários da besta, mas existe também muita maldade, doses colossais de reacionarismo do pior tipo, do mais ignóbil. Como alguns tem dito: Nem todo eleitor do Bolsonaro é fascista, mas os fascistas tupiniquins abraçaram Bolsonaro.
O grande capital, com o frio e calculado interesse de manter a normalidade de sua acumulação, já está acalmando os ânimos de cachorro louco do capitãozinho, mas isso não é exatamente suficiente para eliminar o risco de uma caça às bruxas por parte do setor mais ensandecido do movimento por ele "liderado". Por trás tem Paulo Guedes, tem os generais, tem toda uma gama de interesses. Um governo é muito mais do que aparenta ser. As contradições pululam, as frações se debatem, os lobbys correm soltos. Não dá pra fazer um prognóstico raso, não dá pra precisar uma imagem definitiva. O que dá, no caso, é apontar tendências problemáticas, indicativos de instabilidade.
Estão confiando o aparato estatal brasileiro a uma camarilha mista de lunáticos e aventureiros da extrema direita. E é gente muito poderosa que está afiançando isso, como os poderosos industriais alemães afiançaram Hitler, e deu no que deu. E um povo inteiro foi levado a cometer a maior barbaridade do século XX. O capitalismo engendra as maiores barbaridades na psique humana; os resultados são pavorosos. As ideologias financiadas por esses senhores, escondidos em seus institutos "liberais", são como um feitiço que foge ao controle do feiticeiro. Pode não ser o fim do mundo ainda, mas vai se encaminhando nesse sentido. Capitalismo é sinônimo de barbárie.

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sábado, 6 de outubro de 2018

Daciolo é coisa nossa!

O Daciolo é um cara confuso. Mas não é má pessoa.
Ele é um híbrido de pautas progressistas na economia com conservadorismo no campo da moral e dos costumes. É um fanático, um cara meio obtuso nesse sentido.
Mas, repito, ele tem posicionamentos nacionalistas e trabalhistas.
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O entendimento de moral e costumes dele reflete o moralismo religioso das periferias. No Brasil inteiro existe esse fenômeno atrelado às igrejas pentecostais.
E a despeito de tudo isso, o cara evoluiu pra um posicionamento nacionalista, de soberania nacional e de direitos trabalhistas.
O cara votou contra todas as reformas do Temer.
Votou a favor do golpe, é verdade. Um ponto a menos pra ele.
Mas denuncia o pagamento da dívida pública, defende auditoria, fala em defesa das estatais, contra a drenagem de recursos públicos aos monopólios e aos banqueiros, etc.
Ah, mas, Mário, ele é homofóbico!
A reserva do Daciolo com a comunidade gay é completamente de cunho moralista. Muito diferente do Bolsonaro e do fascismo comum alastrado por aí. O Daciolo não faz discurso de ódio. Prestem atenção nisso. É curioso que ele até fala de amor...
Daciolo é um cara ingênuo. Vide o discurso de teorias da conspiração, o anti-comunismo pueril, típico desse meio evangélico. Eu não consigo olhar pro Daciolo e sentir raiva. O Daciolo é coisa nossa! Eu prefiro muito mais ter um cara desse ao meu lado. É um cara sem maldade. Um maluco. E, desculpem, eu gosto dos malucos. Às vezes vejo muito mais sensatez e humanidade neles.



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sexta-feira, 17 de agosto de 2018

Jogo de cartas marcadas / Perdedores afiançando a roubalheira

                           
Vai ser uma instigante saga essa candidatura do PT. Os caras vão ter que correr contra o tempo pra transferir os votos do Lula pro Haddad. Com menos tempo de tv, a campanha fica meio comprometida. E vão ter que tentar encaixar o Haddad nos debates. Além de fazer a campanha toda com Lula preso e impedido de gravar programas. Tem que ver se eles vão conseguir transparecer toda essa maracutaia midiática de perseguição ao partido. Aí pode ser que consigam ir ao segundo turno.
O cerco tá bem fechado pro PT. Mas os caras insistem nos recursos judiciais, nas dobradinhas com as oligarquias golpistas, nas alianças com as figuras mais que oportunistas do centrão, etc. Uma estratégia eleitoreira falida em meio à  circunstâncias as mais hostis. Tudo pra manter seu filão no parlamento ultra-degradado da política institucional brasileira. O PT não cansa de lutar contra a realidade.
Quem perde com isso é o povo, ludibriado pra acreditar numa política que não tem mais espaço dentro do contexto de crise sistêmica do capital. As elites seguirão impiedosas na aplicação das austeridades. O povo que se vire sem emprego, sem renda, nas desventuras da informalidade, comendo o pão que o diabo amassou dentro das novas regras trabalhistas impostas pelo golpismo, na inadimplência, na miséria, com tarifas insustentáveis, salário mínimo estagnado, etc. O Brasil foi entregue aos abutres. Virou plataforma de mão de obra barata para os patrões e lucros fáceis àqueles que vivem de juros e rentismo. Os magnatas tem a grande imprensa à sua disposição, judiciário servil e forças armadas dispostas a intervir sempre que necessário.
O jogo tá armado, o pessoal tá em campo, mas o resultado já foi decidido pelos donos do poder. E eles não permitirão nada fora de uma margem previamente estabelecida para o ganho da banca.
O PT tá disponível aos senhores da situação se assim for do agrado destes. O PT, a despeito de ser rejeitado para a gestão de turno do capital, tá numa situação cômoda à medida que mantém a hegemonia do aparato burocrático dos sindicatos e segue elegendo bancadas parlamentares Brasil afora. O PT tá cumprindo seu velho papel de esquerda do regime burguês estabelecido. É um papel necessário ao habitual andamento do regime, pra contrabalançar com as direitas na polarização político-ideológica aceita pelo sistema.
Como dito no início do artigo, é um jogo político que pode ser ou parecer instigante, mas que já tem seus horizontes bem delimitados. Por isso a opção dos comunistas em não se envolver com o circo armado mas, pelo contrário, apontar aos trabalhadores as saídas extra-institucionais, que são as saídas determinantes na luta de classes. Nem a candidatura do PSTU, que fala em revolução socialista, tá a serviço da emancipação política dos trabalhadores. Aliás, o PSTU ao longo dos anos já deu mostras suficientes do lado que está. Diante do golpe e da avacalhação que se tornou essa eleição, pra presidente a gente vai de voto nulo.

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sábado, 7 de julho de 2018

Chuta pro gol, filho da puta!

               
O futebol brasileiro carece de objetividade, né. Fato. Não adianta ter um futebol habilidoso, bonito, envolvente, se na hora da finalização não se acerta o gol. Em geral, pra fazer gol, o jogador precisa bater a bola com força e no canto do goleiro, como o atacante belga De Bruyne fez no segundo gol contra o time do Brasil.
Neymar e Coutinho tem uma boa técnica pro arremate de fora da área, mas não chutavam pro gol. Coutinho chegou a acertar uma pancada no meio do gol, defesa fácil pra Courtois. No final do jogo Neymar finalizou bem de fora da área, e com um pouco mais de esforço o goleiro dos caras foi buscar. William, que também acerta bons chutes a meia distância, não entrou muito inspirado e teve que sair pra substituição.
Aliás, por falar em substituição, Tite não teve a felicidade de trocar as peças certas. Meteu em campo pra jogar desde o início um cara como o Fernandinho, remanescente dos 7 x 1, e foi previsível e nada criativo na hora em que precisava virar o placar pra continuar na copa.
O time do cara é bom, o esquema não é retranqueiro, tirando um ou outro o nível técnico é altíssimo, etc, mas, porra, por que não manda os caras chutarem com força pro gol? Por que não manda os caras arrematarem logo ao invés de ficarem tentando furar a retranca adversária enquanto corre o tempo pra eliminação? Será que esses caras não treinam finalização?! Não é possível!
O futebol brasileiro é muito bonito de se ver, é admirável, no melhor estilo sul-americano de criação no meio de campo, com dribles, ginga, elegância de movimentos. Só precisa de um mínimo de disciplina tática e de objetividade. Se não for assim, aí a gente vai ter que se acostumar a perder pra times europeus de muito menor expressão mas que jogam com inteligência e razão. Nosso estilo de jogo expressa uma filosofia, uma estética, faz parte da nossa singularidade e encanta o mundo todo porque realmente é de uma beleza incrível; mas precisa ser mais assertivo pra sobreviver a tempos pragmáticos. Tem horas em que é preciso bater pro gol, tem horas em que é preciso bater forte, bater no canto. Nosso problema, além da falta de pulso e visão de Tite, é não ter atacantes do calibre de outrora. Romário e Ronaldo fazem falta nessas horas. Outras seleções, com elencos limitados e muito inferiores a esse de agora, tinham centroavantes que metiam gol porque desbravavam as defesas adversárias de modo arrojado, porque não temiam enfiar um bico na hora de fazer um gol. Poderia ficar aqui citando vários jogadores.
O Gabriel Jesus precisa alisar menos a bola e acertar mais o gol. O menino é brilhante, corre, se esforça, mas tem que chutar pro gol, porra! Com esse Jesus aí a gente fica sem salvação.
Vamos ver se agora o pessoal fica mais esperto com o desmonte que os golpistas estão nos impondo. Em política a gente anda alisando muito a bola também. Tem que entrar duro metendo a bicuda na canela, com greve geral e os caraio! Me perdoem as palavras pouco amenas e um tantinho virulentas. A luta de classes está comendo solta. É preciso agir como um operário de fábrica nessas horas. Sem firúlas, mas com firmeza.


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segunda-feira, 25 de junho de 2018

Sonhos

Sonhos                    

Tudo muda
De todas as formas possíveis
Meus sonhos que são invisíveis
Invencíveis...

Tremo tanto
E não posso conter o espanto
Na hora em que eu te abraço
O que eu faço?

Quero agora
O sonho vem fora de hora.
Ora, mas sonhos são sempre sonhos
Meus sonhos são pidonhos

Digo mais
Leva o meu coração
Eu nem olho pra trás
Os sonhos tem sempre razão

Tudo muda
De todas as formas possíveis
Meus sonhos que são invisíveis
Invencíveis...



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*Adaptação que fiz pra música Dreams, do Cramberries.Tem que gravar agora. Adoro essa música

terça-feira, 29 de maio de 2018

O Processo

                         
Ontem fui no cinema ver o filme do golpe. "O Processo" , da Maria Augusta Ramos. O nome não é à toa. Faz referência ao célebre romance do Kafka. O impeachment da Dilma foi praticamente uma peça kafkiana, e isso o documentário aponta com sobriedade. Não é um filme imparcial; não é um filme pra coxinhas. É um filme pra mostrar mesmo toda a sacanagem que foi o processo. A diretora focou seu trabalho no acompanhamento da bancada petista do senado, enquanto tramitava ali o indecoroso pedido de impeachment defendido pela advogada Janaina Pascoal. Aliás, esta senhora também foi filmada em sua estada pelos corredores do senado federal ao longo das arguições. A diretora Maria Augusta Ramos optou por esse enfoque: bancada petista versus Janaina Pascoal na votação do impeachment no senado. O filme só foge disso pra contextualizar em forma de legenda algumas movimentações vindas da câmara e pra mostrar a reação de manifestantes pró e contra golpe na esplanada dos ministérios; além do início do filme, que é  um resumo de imagens da famosa tarde de votação do impeachment na câmara, comandada pelo bandido Eduardo Cunha. O filme começa assim: uma espécie de panorâmica da esplanada e logo em seguida o referido show de horrores no congresso. Evidente que, como assinalei acima, o filme não é imparcial. A edição do vasto material coletado converge para duas horas e meia de filme em que o telespectador é colocado diante do ardiloso plano executado por Cunha, PSDB e Janaina Pascoal para afastar ilegimamente a presidente Dilma. O filme desnuda toda essa maquinação. Fica claro o jogo de cartas marcadas no congresso, fica cristalino o cinismo de Janaina Pascoal.  Chega a ser risível de tanta hipocrisia que é exposta da parte dos que comandaram o processo do golpe.
Fiz questão de ver o filme no cinema porque queria notar a reação do público. Tá ok que o filme tende a ficar restrito a um circuito alternativo; eu mesmo fui numa sessão na avenida Paulista, em um cinema frequentado por público mais ilustrado; mas queria ver a reação das pessoas. E não deu outra, a reação é de comicidade diante de tanta patifaria e cara de pau. As cenas da advogada Janaina são de longe as mais hilariantes. O cinema veio abaixo em risadas com uma cena da advogada tomando um Toddynho. A semiótica da cena não podia ser mais pertinente. Janaina Pascoal atuou como uma criança mimada, por pura birra. Maria Augusta fez questão de mostrar a ligação de Janaina à bancada evangélica, aos interesses conservadores; mostrando suas motivações ideológicas e sua paixão partidária. Mas Janaina começou tudo, é verdade, e é importante dizer, recebendo 45 mil reais do PSDB pra elaborar a peça acusatória.
Quer dizer, o impeachment foi mesmo um golpe deslavado, um golpe jurídico-parlamentar, com apoio midiático, pra sacar do poder por motivações políticas e econômicas uma presidente que já não era mais a primeira opção do mercado. Eduardo Cunha fez questão de acelerar ao máximo todo o trâmite, em retaliação pelo PT não tê-lo salvado da comissão de ética da câmara, que posteriormente o afastaria de suas funções na condução da casa por envolvimento em corrupção pesada. Ou seja, o processo todo é uma desmoralização completa.
O filme é bom mesmo. Eu recomendo. Fica meio arrastado lá pela metade, com tantas discussões de cunho burocrático que ao telespectador realmente não faz muito sentido. Digamos que é a forma burocrática contida na coisa. O que é determinante mesmo é o conteúdo político. Mas é um registro histórico. Bom pra ver como estamos imersos em jogos de aparência.      

Obs 1: Interessante notar o brilhantismo da defesa de José Eduardo Cardoso. Praticamente impecável.          

Obs 2: A senadora Gleisi Hoffman é uma gracinha. (Comentário meramente estético. As companheiras certamente ficarão com o charme cinquentão do Zé Eduardo Cardoso...rs)

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domingo, 27 de maio de 2018

Hospício é deus / A vida é uma pancada

Um dia desses eu estava de passagem num movimentado prédio na Paulista em visita a uma repartição pública, pra ficar a par de um dos processos que acumulei com a militância no movimento estudantil. No hall de entrada do edifício me deparo com essas estantes de livros usados que o pessoal disponibiliza pros transeuntes. Fissurado em livro que sou, me detenho ali uma meia hora pra "garimpar" alguma leitura em meio a uma porção de livros não muito interessantes.

Pego um, pego outro, abro, folheio, fecho. Enxugo o suor do rosto, faz uma tarde quente em São Paulo. De repente me deparo com um título muito incomum, incomum demais: Hospício é deus. O título me intriga. Que porra é essa, livro espírita? O pessoal deveria parar de deixar livros espíritas pra circulação. O livro é de capa dura, uma capa muito simples, sem descrição alguma na contracapa. Mas afinal, que porra é essa?! Abro o livro e vejo uma citação do Sartre na primeira folha. Puxa, os espíritas agora deram pra citar Sartre! Pessoal invocado a sofisticado. 

Enxugo mais uma gota de suor que escorre pela testa. Estou cansado, as pernas ameaçam com uma inconveniente cãibra. Pego o livro e enfio na mochila. Ok, em casa eu vejo. Chego em casa e deixo o livro na estante. Devo confessar, esse livro deve ter ficado ali umas três semanas me esperando, aguardando uma outra leitura que a priori chamou mais a atenção. Mas a hora dele chega. Vou ver do que se trata, mais pela citação do Sartre no início. Tem hospício no nome. Curioso... Deixe-me ver do que se trata. E pum!, caio numa das leituras que mais me fascinou nos últimos meses. O livro não é espírita! A citação do Sartre não é desencontrada. Hospício no nome é hospício mesmo, não se trata de figura de linguagem.

Caríssimos, Hospício é deus é coisa de maluco. Mas de maluco com conteúdo e muito a dizer. A autora é Maura Lopes Cançado, escritora mineira radicada no Rio, colunista do antigo Jornal do Brasil, escritora talentosa e excêntrica que, acometida por distúrbios mentais, em uma de suas estadias num manicômio público do Rio, resolve, por sugestão de um colega da redação do JB, escrever um diário. A moça, ela era jovem, talentosíssima e lúcida, presenteada com uma Olivetti portátil, passa a narrar seus dias de interna numa instituição psiquiátrica. Isso no final da década de 50. A citação de Sartre tem tudo a ver com o contexto da época, período de ebulição do existencialismo do casal Sartre e Bevouir.

Mas, voltando ao livro, devo dizer, fiquei super impressionado, um pouco que me punindo por desconhecê -lo. Pesquisem no Google pra ver, Hospício é deus virou tema de pesquisas nas universidades, sobre a questão do escrever sobre si.

O livro é um diário. Em meio à narrativas de acontecimentos do dia, a autora recorre a digressões e conta episódios de infância, juventude, do casamento frustrado, do filho, da família, de suas saudades do pai falecido, de sua inadequação social, de sua sexualidade reprimida, de seu estranhamento do mundo. E Maura Lopes Cançado narra com sensibilidade todo o horror que observa e do qual é vítima ao mesmo tempo.

Os manicômios da década de 50 eram praticamente masmorras. As doentes eram punidas com quarto forte, as guardas corriqueiramente recorriam à violência física, o eletrochoque era coisa comum, as condições sanitárias eram precárias, a comida, intragável. Maura narra tudo com acidez cortante, criticando o sistema e a classe médica, com sarcasmo, debochando da cultura rasteira dos técnicos e médicos. Maura Lopes à época contava 24 anos, mas erudita, de uma inteligência fora do comum; jovem, muito bonita, atraente, despudorada, excêntrica. Em meio a surtos e crises depressivas, quebrava a monotonia rasgando as próprias roupas, entrando nua no escritório do diretor, pulando muros, dançando no telhado, pregando peças nas seguranças, elaborando e executando planos de fuga. Maura era o "terror" do complexo hospitalar. Uma figura. Personagem que colocaria no bolso o inusitado interno feito por Jack Nickolson em Um Estranho no Ninho, clássico do cinema que retrata cotidiano e desventuras de um pequeno hospício. 

Vejam, super recomendo esse livro. Tem coisas muito tristes, e a despeito da citação sartreana na primeira página, Maura Cançado estava muito mais inclinada para uma leitura nietzscheana da vida. Há niilismo de sobra, angústia; o livro alterna momentos divertidos ou de descrições afetuosas com quadros desesperadores de abandono e injustiça. Leiam esse livro. É um mergulho na condição humana, uma rica reflexão existencial. Depois tirem suas próprias conclusões.