sexta-feira, 8 de julho de 2016

Nostalgia

Nostalgia
Há pouco mais de 15 dias perdi minha vó paterna, Dona Leonor. Minha vó era filha de espanhóis que chegaram ao Brasil no inicio do século passado. De família numerosa, ao modo habitual daquela época, estudou pouco e começou a trabalhar cedo. Também casou cedo e ficou viúva aos 28 anos, tendo que criar sozinha seus três filhos, sendo o meu pai, o mais novo, um bebê de apenas um ano e meio.
Mas não pense o leitor que esse artigo se trata de uma nota de falecimento. Só achei por bem começar o texto falando da trajetória de minha avó pois foi pensando nela que me peguei relembrando passagens da minha infância, memórias dos dias que passava em sua casa, no Pari, bairro no qual, embora eu não tenha nascido, vivi dos dois anos em diante.
Minha vó vivia numa casa térrea e pequena, ao fundo de uma comprida vila de casas na rua Olarias. Vez ou outra passava o dia com ela. Ficava vendo televisão enquanto ela passava a maior parte do dia sentada diante de uma máquina de costura. Minha vó era costureira de cortinas.
Agora que perdi minha vó há tão poucos dias, sou tomado por uma natural nostalgia daqueles tempos. Lembro do forte cheiro adocicado da fábrica de biscoitos que havia no quarteirão de trás. Naquele tempo o Pari era um bairro mais ameno, um bairro residencial, com muitas casas de muro baixo com jardins à  frente.
Agora o Pari é uma continuação mal acabada do que o Brás foi por muito tempo seguido, ou seja, uma região de comércio pujante, com escassos moradores; lugar de muita movimentação durante o dia e de ruas quase desertas no período da noite.
Natural que as coisas mudem com o tempo, e mais natural ainda que eu tenha nostalgia do Pari da minha infância, o Pari antigo, dos campos de várzea, das praças apinhadas de crianças, dos botecos de esquina onde a gente parava pra pedir água... (naquela época a gente bebia água da torneira mesmo, não me lembro de comprar água mineral).
Por quase uma década vivi com minha família numa casa razoavelmente grande na rua Padre Lima. Lá a gente brincava nas ruas com alguma tranqüilidade; as famílias sentavam a frente das casas enquanto as crianças jogavam bola ou andavam de bicicleta. Lá eu interagia com meninos que moravam num cortiço do outro lado da rua. De lá, por exemplo, me lembro de uma família de onze filhos, todos com nomes que começavam com a letra M. Depois morei na rua da Madeira. E, depois, na Monsenhor Andrade.
Mas o Pari das minhas memórias infantis nao é tão curioso quanto o Pari das histórias inusitadas. Uma das minhas tias, durante o velório da mãe, em meio a uma mórbida conversa, dizia que não desejaria ser cremada depois de morta, e, como argumentação, evocava a memória da historia de um conhecido que morava na rua Rodrigues dos Santos e que quase fora enterrado vivo.
No tempo da febre amarela, o homem, internado no hospital da Santa Casa, depois de tido como morto, foi colocado numa sala com muitos corpos que seriam enterrados no dia seguinte. No meio da noite o sujeito despertou, pulou o muro do hospital e foi pra casa. Bateu na porta mas a mulher, apavorada, não abria. A mulher, desesperada e aos prantos, gritava ao marido que voltasse ao mundo dos mortos, que ele não estava mais vivo, que fosse embora dali. A filha teve que acalmar a mãe e abrir a porta ao pai. Minha tia conta que o homem ainda viveu muito depois do incidente, que morreu depois da mulher, inclusive.
Hoje tendo a ver o Pari de forma mais amarga, e me ressinto sobremaneira de ver que com o tempo não veio a virtude. É duro ver que o bairro abriga uma classe média rancorosa e reacionária. Porque eu tenho saudade do Pari da minha infância, mas não suporto o Pari dos velhos bairristas, malufistas ou tucanos, todos eles uns chatos; o Pari dos senhores que xingam o Haddad porque não querem conviver com os refugiados haitianos ou com os imigrantes bolivianos, por exemplo.
Tenho amor pelo Pari dos meus dias juvenis, dos meus tempos de adolescente, quando ia com os amigos comer os lanches gordurosos da Balneária. (Agora eu sou um rapaz mais saudável, garanto).
Uma vez, voltando do Rei das Esfihas com três amigos, levei uma batida da policia, memorável de tão engraçada. Eu estava com um rosário no bolso. O policial, na hora da revista, tateou-o e perguntou do que se tratava. Falei que era um rosário. O soldado puxou aquele rosário enorme e o meu amigo Edu caiu na risada. O Edu era chamado de Soneca também. Tinha as pálpebras meio caídas, era cabeludo e muito magro. Quase apanhou da PM nesse dia...
Quando chegamos a casa do Ricardo, não sabíamos do que riamos mais; do incidente com a policia ou de um acontecimento anterior no restaurante. Acontece que naquela época o Rei das Esfihas era menor e tínhamos que esperar vagas de mesas. Umas meninas bonitinhas desocuparam uma, e, antes que o Tadeu, lendário garcon pariense, limpasse a mesa, nos sentamos e eu comi uma coxinha que fora deixada ali quase intocada, com apenas uma mordida. O pessoal me chamou de nojento, tirou o maior barato. Eu não tava nem aí... Ah os jovens... meu Deus... É deste Pari que tenho saudades.