Poema místico
Yeshuah, mestre e Deus
Visitaria nossa cidade
E nós o esperávamos!
Corações ansiosos na fria noite da vigília
Cabeças pendentes de sono
Nossos ossos doloridos
Nossos lábios ressecados.
Yeshuah chegou no limiar da aurora
Rosto cortado pelo vento
Roupas em desalinho, ofegante respiração de caminhante.
Quisemos lavar seus pés
Oferecemos água de nossos cantis
Queríamos a intimidade do mestre
Falar como próximos que partilham a camaradagem de uma jornada
Mas Yeshuah queria nos mostrar a virtude do silêncio.
Falava aos nossos corações com seu olhar.
Quisemos que bebesse do leite fresco que providenciáramos, tínhamos mel e queijos, pães e frutas secas.
Mas o mestre nos presenteou com o jejum.
Haveria o tempo de comer
Primeiro queria caminhar conosco entre os raios multicores que atravessavam a manhã da nossa cidade.
As ruas vazias...
Levamos Yeshuah ao nosso melhor jardim
Sentamos silentes aos seus pés.
A manhã ainda fria, nossos corpos enregelados
O ar puro penetrando os pulmões em compassada respiração
Os raios do sol incipientes.
Yeshuah nos fitou nos olhos
E um raio de sol atingiu-lhe as pupilas...
Belíssimas!
Nos revelavam a beleza da eternidade
A ternura do absoluto
A memória de quando ainda não existíamos
A paz de quando sequer tínhamos pensamentos.
Mas era preciso levantar do nosso furtivo êxtase.
O mestre quis sair da cidade
Pra nos levar ao cume de uma montanha.
Tínhamos que empreender marcha.
Um dia de caminhada e chegamos ao sopé de uma montanha.
Montamos acampamento
Tratamos de fazer fogo
O céu era especialmente bonito
E a noite se anunciava fria.
Em torno do fogo o senhor da vida quis partir o pão
E o pão tinha sabor de algo absolutamente antigo e novo
De um revigoramento sublime
Que recuperava o corpo e dava ao coração alegria singular e inaudita
Quiserámos de novo resistir em voltar à realidade.
Yeshuah continuava a nos falar ao coração
E nos surpreendeu com a ordem de levantar acampamento.
Iria nos guiar montanha acima
Enquanto nos falava das coisas da vida e da morte
Caminhávamos pressurosos
E então o mestre nos advertiu a ter calma e a saborear também o caminho, passo a passo
E suas palavras pareciam mesmo dar o ritmo para uma suave andança.
Nos falou da cruz
Das horas da cruz
E lágrimas nos corriam abundantes pelas faces
Tão duras eram as desventuras que o mestre nos narrava
E como por um passe de mágica começamos a notar as semelhanças de nossas dores com as terríveis dores de sua cruz.
Ouvíamos o agoniado gotejar do sangue
Nossas gargantas secavam como se fosse meio dia com sol forte
E a fadiga nos molestava em sucessivas tentações e soluços.
Era um trecho escarpado da subida
E sucumbir seria fácil não fosse a valorosíssima companhia do mestre.
Chegamos ao alto da montanha
Yeshuah então nos permitiu tragar uma água de perdão.
No céu escuro um corvo negro cruzou a noite
E Yeshuah nos falava dos florescentes sonhos dos místicos de todos os tempos
Dos risonhos tremeliques do menino-Deus na manjedoura
Dos contemplativos nos desertos dos séculos
De como se aproximaram do trono da manjedoura
E tocaram com suas mãos os pezinhos e as mãozinhas do recém-nascido de Belém.
Ficamos absortos e como que caíamos por terra ante suas preciosas e doces palavras.
Yeshuah não nos deixou quedar pelo terreno
Iria nos levar adiante
Foi quando percebemos que muito mais havíamos de subir
Que estávamos apenas num primeiro patamar de montanha
Ouvíamos a voz do silêncio
A noite ia se fazendo mais clara
E anjos acampavam ao redor
Cantando afetuosa e delicadamente as verdades do universo
De como Yeshuah é rei do universo
E de como o cosmos é só um dossel de uma parte da glória de seu Pai
Que outros mundos celebram a magnitude, a bondade e a clemência de Deus
Que os olhos não podem ver sequer uma simples medida daquilo que é estabelecido nas alturas da imortalidade.
E que toda sorte de beleza emana do sopro terrível de Deus
Que é ao mesmo tempo tão espantosamente potente e mais doce que qualquer doçura que podemos conhecer na vida
Outros patamares de montanha galgamos em poucos e imperceptíveis passos de pessoa.
Já não trilhávamos por razão humana.
As verdades que nos revelava o mestre nos faziam passar por sobre o tempo
E em convulsivas descargas de êxtase nos encaminhávamos ao cume
Os sentidos nos faltando...
Apenas borbotões de estremecimentos nas visões maravilhosamente perfeitas
Cores e quadros inexplicáveis
Histórias que nunca nos contaram
Os mortos que voltaram à vida
Os profetas e as virgens, os alucinados, os mártires e os arrependidos
O céu tomado de assalto na bruma exuberante da criação...
E então a paz.
A paz perfeita.
O silêncio novamente.