sábado, 23 de novembro de 2024

Aparecida é nossa! Que engulam o choro os reacionários!


Sábado passado, dia 16 de novembro, estive em Aparecida com os irmãos da Rede Nacional de Católicos LGBT. Foi a segunda vez que estive com eles em Aparecida. Na primeira vez, em abril, estávamos em apenas poucos núcleos da rede. Dessa vez foi feita uma romaria nacional, com a presença mais completa dos grupos. 

Conheci a rede em 2022, através de um de seus grupos em São Paulo. Um amigo me chamou e eu fiquei muito curioso. Fui lá e saí comovido. Nesse dia tava uma pessoa muito especial, a Sílvia Kreus, que é mãe de uma moça lésbica e que contou seu testemunho. A Sílvia escreveu um livro, vale a pena ir atrás. Vejam lá. Ela sempre foi de igreja e sofreu preconceito em sua paróquia depois que a filha revelou publicamente a homoafetividade. 

A partir desse primeiro contato com a rede, entrei em seu grupo de whatsapp e passei a acompanhar suas atividades. Me mudei pra Santos e em 2023 ajudei a fundar o Diversidade Católica Baixada Santista. Isso tudo sendo heterossexual. As pessoas se espantam do interesse de um heterossexual em se ajuntar com os homossexuais e empunhar a bandeira. Explico. Acredito firmemente que esse movimento é bastante importante e relevante no âmbito da igreja, e não só, mas da sociedade também. 

Vivemos um momento determinante de disputa ideológica na sociedade, disputa que veio pro interior das igrejas e que, em especial na igreja católica, coloca conservadores e liberais em uma situação de duros embates. Entendo que, como católico progressista, militante de esquerda que sou, devo me posicionar e me manter engajado com meus pares. E a rede de católicos lgbt's é um movimento especial nessa conjuntura de polarização. 

Tem gente que pode dizer: "Ah, mas esse pessoal é teleguiado pela cultura woke, é lobby estadunidense, é decadência ocidental, coisa festiva, sem elo com as periclitantes questões sociais do nosso tempo, etc, etc". 

Notem, poderia haver um fundo de verdade nisso, mas não há. Conheço de dentro o movimento e sou testemunha de se tratar de algo realmente inspirador e necessário. Não conheço o movimento em nível internacional, mas do que conheço, do pessoal aqui do Brasil, afirmo com serena segurança se tratar de um coletivo de pessoas muito religiosas, pessoas que a vida inteira participaram de comunidades católicas, em pastorais, nas paróquias, muitas delas na vida religiosa, em seminários e congregações. São pessoas que a vida inteira sofreram com o peso do preconceito, da culpa. E de uma culpa que não faz sentido. Se a pessoa nasce com uma determinada orientação sexual, não tem absolutamente nenhuma culpa a respeito. É da natureza da pessoa. É o que ela é. Aí vem a sociedade e diz que é pecado, que é coisa do diabo, que quando morrer vai pro inferno e tal. É um massacre psicológico. Tanto que muitos se suicidam, porque o peso é terrivelmente insuportável caso a pessoa seja muito religiosa. Acha que Deus não ama mais, que seria melhor não ter nascido, e por aí vai...

Pois bem, em pleno século 21, depois de tanta evolução cultural, societária, ainda faz algum sentido que a sociedade exerça uma pressão sobre as pessoas por conta de sua forma de viver a sexualidade? Evidente que não. E nem nas igrejas. Esse negócio de ficar falando que vai pro inferno, essa ladainha punitivista, não passa de um comportamento anacrônico, que salta aos olhos por seu primarismo e que expõe uma arrogância e uma crueldade que passam bem longe do propósito cristão, que é de acolhimento, de compreensão, de ternura, de amor. 

Só acredita no inferno pro homossexual quem é muito simples, de pouca instrução mesmo, ou a pessoa que perdeu sua alma para o reacionarismo. Só sendo muito reacionário, de coração duro, sem caridade alguma, pra dizer que alguém vai pro inferno por ser gay. E quem são as figuras que tem feito isso, essa barbaridade, essa agressão inconsequente? Ora, são as mesmas pessoas que apoiam Bolsonaro, que dizem ter saudade da ditadura militar, que estimulam o golpismo e o ódio de classe, que fazem festa quando a polícia faz chacina nas favelas, que acham que pobre tem mais é que morrer, etc. São fascistas, protofascistas, gente perversa, canalha, gente de extrema direita, gente que faz o mundo ser um lugar pior.

Ora, amados, o que fazer nessa correlação de forças que está colocada? Simples, a gente que se importa com os outros e que espera um mundo mais fraterno, como o papa Francisco, e os movimentos sociais, de direitos humanos, etc e tal, a gente se junta e cria uma trincheira contra os brutamontes. As trincheiras são materiais, políticas, de proposições para a economia; mas também são culturais, podendo ser literárias, nas artes, enfim, e também na religião. 

Gays também tem religião. Não são infiltrados nas igrejas! Eles estão nas igrejas desde sempre. A igreja católica, por exemplo, verdade seja dita, é uma igreja gay. Não se escandalizem. É isso mesmo, a igreja católica é uma igreja gay. Quem não é católico talvez não tenha ideia de como tem gay nas igrejas. Boa parte dos padres é gay. Estão por aí celebrando missas, casamentos  atendendo confissão  dando conselhos. São pessoas normais, pessoas com sentimentos religiosos, sentimentos nobres, sentimentos humanitários. São gays. Essas pessoas existem e estão agora se assumindo, à medida que os tabus vão sendo superados, que paradigmas são quebrados. Quem entende minimamente de ciências humanas sabe que os códigos morais são datados, que vão mudando com o tempo, que o anormal de ontem é o normal de hoje, que o anormal de hoje talvez seja o normal de amanhã. 

Esse meu amigo que me levou pela primeira vez numa reunião da Rede de Católicos LGBT, por exemplo, é meu conhecido de muitos anos. A gente frequentava grupo de jovens. Uns 10 ou 12 anos atrás ele me procurou dizendo ser gay, estava aflito, queria um direcionamento, uma opinião. Eu não sabia o que dizer. Falei pra ele procurar o padre da paróquia. Não sei o que o padre falou. Sei que esse rapaz andou por uma igreja evangélica inclusiva e que voltou à igreja católica, que felizmente encontrou a rede de apoio. É uma rede de apoio, ele agora está assistido, pode procurar seu espaço quando confrontado com algum percalço em sua vida. O que dizer disso? Glória a Deus que esses núcleos existem. São núcleos de resistência, núcleos que vão consolidando seus espaços. E vão pra Aparecida, claro. Glória a Deus que vão pra Aparecida, que existem e que celebram seus 10 anos de rede, com estatuto, com bases sólidas, com orientação teológica, com o pastoreio da igreja. Eu me alegro de estar engajado com eles. Tenho meus engajamentos, tenho uma posição política, ideológica. E tenho religião. E se tenho religião, posso ter minhas posições. Minha posição é totalmente teologia da libertação. A teologia da libertação, na minha opinião, é uma das coisas mais bonitas que existiu na história. Hoje não tem CEB's, o movimento tá recuado. Tomara que a coisa melhore. Vejo nos núcleos da rede de católicos LGBT uma boa opção de engajamento. Por isso que fui com esses irmãos pra Aparecida e pretendo ir sempre. Aparecida é nossa. Nós sempre teremos Aparecida.