sábado, 24 de agosto de 2019
Quem disse que a coisa não pode piorar?
Hoje tava me lembrando de uma vez que peguei ônibus com minha mãe. Eu era criança e presenciei uma curiosa conversa dela com o cobrador. Isso aconteceu no começo dos anos 90. O homem era evangélico. Dizia pra minha mãe que na casa dele não se via tv; nem tinham aparelho. A religião não permitia.
Isso, é bom lembrar, era o começo dos anos 90. O Brasil era um pouco diferente. Tava me lembrando disso hoje e pensando. Que loucura.
Nos anos 90 a tv já era um meio de comunicação com uns 40 anos de vida. Já tinha se popularizado bastante no Brasil desde as décadas de 60 e 70. Tava um pouco tarde pra ser até então um objeto demonizado.
Acontece que esse fenômeno, o fenômeno do evangélico que não assistia tv por achar que era pecado, ou que a tv era coisa do diabo, era algo que não tinha a ver com o surgimento da tv em si, mas com a nossa realidade.
Em 2003 o PT chegou ao poder com uma política de crédito e incentivo ao consumo e todo mundo começou a comprar não só tv's (aquelas grandes, verdadeiros trambolhos em questão de tamanho e peso) mas máquinas de lavar, geladeiras, tudo o que era item doméstico. Casa mesmo as pessoas nem sempre tinham, mas isso é tema pra outros artigos.
Como eu dizia, não só a tv se popularizou, como o consumo em geral, as pessoas começaram a viajar de avião ao invés de passar vários dias dentro de um ônibus pra cruzar o país, além de começarem a cursar ensino superior. O país mudou um pouco pra melhor. Depois eu nunca mais tomei conhecimento de famílias evangélicas a se abster de ver televisão.
Nos últimos anos, com destaque para os últimos meses, o regresso material e cultural foi tão grande, que me ocorreu que é até capaz que esse fenômeno volte. Um fenômeno extremamente atrasado, uma coisa de mentalidade medieval. Mas o brasileiro tá tão exposto e influenciado por discursos sem razão que nada mais nos surpreenderia, não é mesmo?
No começo dos anos 90 o Brasil era mais industrializado. Vejam só.
domingo, 18 de agosto de 2019
Snowden / Uma história dos nossos tempos
Ontem assisti Snowden: herói ou traidor, do Oliver Stone. Filme bom. Quem ainda não viu, deve ver. O filme é uma versão dramatizada da história do Edward Snowden, ex agente da CIA.
É uma versão hollywoodiana, com atores de ponta e todos aqueles traquejos dos filmes de suspense. Não faz muito meu tipo, mas realmente casa com a história do cara. A vida de Snowden é perfeita para Hollywood. Um roteiro e tanto.
E de algum modo é bom mesmo que tenha se tornado um blockbuster, pra popularizar esse fato tão extraordinário da história recente. Os chavões do gênero suspense passam quase imperceptíveis à trama do hacker americano.
O filme é de 2016. Fui assistir só agora. Reconheço que tô bem atrasado. Mas acho pertinente frisar a importância do filme.
A história de Snowden é a história de um dilema ético. O rapaz tentou ser militar, mas tinha físico frágil. Se lesionou e foi cortado das forças armadas. Era um tipo nerd, branquelo, magro, de óculos. Jovem conservador (isso vem a mudar no relacionamento com a mulher, que simpatiza com os democratas), autodidata, gênio da computação, ingressa no serviço de inteligência americano e passa a ser recrutado para tarefas de relevante importância na geoestratégia mundial.
Mas com o tempo começa a perceber que o governo americano não está tão interessado em debelar o terrorismo (crença que tinha quando jovem e que também lhe fora incutida por doutrinação na CIA), mas em tirar vantagens econômicas através de espionagem internacional e crimes de guerra.
O terrorismo é só um pretexto. Os Estados Unidos sempre se utilizaram desse expediente. A pretexto de cuidar da segurança nacional, os EUA cometem as maiores barbaridades e invadem a privacidade inclusive de pessoas comuns da população, e isso ao redor do mundo.
Snowden, ao perceber que ninguém tem privacidade no mundo, que qualquer um pode ser observado e vigiado através dos celulares e computadores, começa a ficar paranóico, e entra em crise.
Em determinado momento decide vazar provas dos crimes da CIA e se refugiar. Conseguiu asilo na Rússia de Putin. Se for pego pelos EUA, pode ser condenado e nunca mais sair da cadeia, que é o que pretendem fazer com o também hacker Assange.
O imperialismo é foda. Os caras não brincam em serviço. Snowden foi muito corajoso de se insurgir e dizer ao mundo as coisas que acontecem nas dependências do serviço secreto americano. Não é novidade, verdade, mas é sempre bom lembrar e colocar em evidência.
Parece teoria da conspiração, mas todos estamos sendo vigiados e monitorados. Cuidado com os nudes! E não façam sexo perto de eletrônicos...rs... Algum voyer da CIA pode estar usufruindo da sua intimidade. Surreal, mas acontece.
sexta-feira, 2 de agosto de 2019
Democracia em Vertigem ( O fim do sonho petista )
Assisti só agora ao Democracia em Vertigem. Não tenho Netflix em casa. Tava todo mundo falando sobre o documentário. Arranjei uma cópia em dvd com um amigo, pra sanar a curiosidade e dar esse veredito.
Pois bem, tá aqui minha opinião. Não é um filme ruim. Pelo contrário, é um bom filme, bem montado, bem dirigido. Eu gosto da Petra Costa, do estilo, da estética. Assisti e me comovi muito com o filme Elena, documentário também, no qual ela conta a história da irmã que se suicidou após um processo depressivo. Filme excelente, de ótima fotografia; um filme com muito lirismo, muita delicadeza.
No Democracia em Vertigem fica difícil manter o padrão. Resta mais a voz arrastada da diretora. Uma vozinha gostosa, que dá até sono.
O tema de agora também é duro, pungente, sofrido, mas muito mais controverso. Em Democracia em Vertigem ela aborda a história que tem mexido com os nervos de um gigantesco país. A história de um golpe, história recheada de injustiças, mas que nos coloca diante de reflexões acerca da história recente e que nos deve impelir a repensar rumos políticos.
É difícil assistir sem se indignar. A história do Brasil é realmente uma história de sucessivas desgraças.
E o filme de Petra Costa, verdade seja dita, é um filme que coloca o petista pra chorar. Filme de petista feito para petistas. Conta a história da própria Petra, de seus pais, militantes desde a época da ditadura, entusiastas declarados do Partido dos Trabalhadores e do ex presidente Lula. Com falas de sua mãe ao longo do documentário, com imagens de Lula e Dilma em situações de bastidores, na intimidade e em contato com populares. Um material que condiciona a simpatia do telespectador aos ex-presidentes. E não é que haja algo de errado nisso. É um viés legítimo de narrativa.
De forma autocrítica, porém, é bom frisar, o filme vai reconstituindo o cenário político dos governos do PT, das alianças entabuladas com as oligarquias e a direita, contando a fatídica história do golpe que derrubou Dilma e levou Lula à cadeia.
A parte que mais me revoltou foi a parte, perto do final, em que Lula é cercado pela multidão de militantes no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, onde Lula se hospedou antes de se entregar à prisão. A massa, indignada, se recusa a deixar Lula se entregar. A multidão do lado de fora empurra violentamente o portão para que o carro com o presidente não saia do local. Lula é obrigado a voltar para dentro. Todas as saídas do sindicato estão obstruídas pela militância. Lula é obrigado a sair escondido. Uma vergonha!
Poucos minutos antes no filme, algumas horas antes na história, Lula, do alto do carro de som, anuncia à multidão que se entregaria, dizendo que confiava na justiça brasileira. Os militantes choram, se desesperam. O povo tem um verdadeiro afeto por Lula; o povo se enfurece com a flagrante perseguição, se desconsola com a iminente prisão. O povo quer resistir, deseja o enfrentamento com os poderes do estado, mas Lula, resignado, professa sua fé na institucionalidade burguesa e se encaminha para a injusta detenção.
O que falar disso? Repito o que tenho falado desde então: Luís Inácio não está à altura da figura histórica que se tornou. É um politico extremamente habilidoso, encantador de serpentes, de carisma inigualável, mas nunca teve peito de romper com o status quo, de propor uma autêntica ruptura em favor da classe trabalhadora.
O caminho da conciliação parece mais sensato a um primeiro julgamento, mas é um caminho fadado ao fiasco.
O Lula, se quisesse figurar como relevante figura histórica dos trabalhadores, deveria estar entre aquelas lideranças que não se sujeitaram ao acordo com os donos do poder. Simples assim. Há acordos que não devem sequer ser cogitados, quanto mais selados. A história não perdoa a pusilanimidade. O destino é cruel com os que dão as mãos aos inescrupulosos.
sábado, 22 de junho de 2019
A liberdade de Lula / Uma epopéia tupiniquim
Tá difícil pra elite admitir a soltura do Lula. Por mais que as contradições estejam vindo à tona. Mas, notem, as entrevistas do homem estão ganhando repercussão. Tem a repercussão internacional de tudo isso. E, como tem ficado evidente, as frações burguesas estão se degladiando.
Acredito que a tendência seja o Lula conseguir progressão de regime. A duras penas. Vai ser um parto isso aí.
Mas a liberdade do Lula vai estar em consonância com o derretimento da economia e a necessidade da burguesia de mudar esse cenário. Acredito que elementos do campo progressista sejam em médio prazo convocados a compor um governo de reestruturação nacional, pra tentar civilizar esse cenário de tamanha desagregação.
Por isso mesmo eu não me aferraria tanto à idéia de que o PT é carta fora do baralho. A crise econômica e política é muito terrível. São anos de estagnação, após anos de recessão, muito desemprego e miséria. Apesar de toda cantilena da imprensa burguesa, amplos setores da população tem saudades dos tempos de PT, tanto que Haddad obteve 40% dos votos. A sociedade brasileira tá muito polarizada, mesmo nos escalões de dominação econômica.
A gente não pode ser inflexível na análise. Existe uma tendência mundial de políticas de ajuste fiscal e austeridade, mas se a crise social bater na bunda, as elites se vêem obrigadas a abrir concessões e a eventualmente escalar algum elemento outrora descartado. Pode não ser o Lula. Mas pode ser um indicado, um aliado.
As elites não estão em muitas condições de prescindir da capacidade de articulação política do Lula. E a gente sabe que o Lula é um pelegão. Ele vai se prestar ao papel. Infelizmente a verdade é essa. Não dá pra ficar esperando a lendária guinada à esquerda da cúpula do PT. Que nos perdoem a sinceridade os camaradas petistas. O PT tem ainda uma boa base social, de gente valorosa e combativa.
Não dá pra fazer tábula rasa. O petismo é um fenômeno mais complexo do que desejaria imaginar a turba de analistas vulgares da história.
Acredito que a tendência seja o Lula conseguir progressão de regime. A duras penas. Vai ser um parto isso aí.
Mas a liberdade do Lula vai estar em consonância com o derretimento da economia e a necessidade da burguesia de mudar esse cenário. Acredito que elementos do campo progressista sejam em médio prazo convocados a compor um governo de reestruturação nacional, pra tentar civilizar esse cenário de tamanha desagregação.
Por isso mesmo eu não me aferraria tanto à idéia de que o PT é carta fora do baralho. A crise econômica e política é muito terrível. São anos de estagnação, após anos de recessão, muito desemprego e miséria. Apesar de toda cantilena da imprensa burguesa, amplos setores da população tem saudades dos tempos de PT, tanto que Haddad obteve 40% dos votos. A sociedade brasileira tá muito polarizada, mesmo nos escalões de dominação econômica.
A gente não pode ser inflexível na análise. Existe uma tendência mundial de políticas de ajuste fiscal e austeridade, mas se a crise social bater na bunda, as elites se vêem obrigadas a abrir concessões e a eventualmente escalar algum elemento outrora descartado. Pode não ser o Lula. Mas pode ser um indicado, um aliado.
As elites não estão em muitas condições de prescindir da capacidade de articulação política do Lula. E a gente sabe que o Lula é um pelegão. Ele vai se prestar ao papel. Infelizmente a verdade é essa. Não dá pra ficar esperando a lendária guinada à esquerda da cúpula do PT. Que nos perdoem a sinceridade os camaradas petistas. O PT tem ainda uma boa base social, de gente valorosa e combativa.
Não dá pra fazer tábula rasa. O petismo é um fenômeno mais complexo do que desejaria imaginar a turba de analistas vulgares da história.
quarta-feira, 12 de junho de 2019
VazaJato, Moro e golpismo / Algumas considerações sobre a crise política e um prognóstico para o próximo período
1- Um serviçal queimado não interessa aos EUA. Esse é o ponto. Tem que ver até quando o Moro se aguenta no cargo. Cada vazamento desses é uma balançada na cadeira de ministro dele.
Moro e a Lava Jato são peões diretamente controlados pelo departamento de estado americano. São agentes treinados para executar essa política. Desde há anos. Mas não há como serem blindados diante das verdades que vem à tona. Serão descartados por força das circunstâncias.
2- O Bolsonaro foi improvisado de última hora para assumir a presidência. Isso tem a ver com o esgotamento do PSDB. O PSDB sim é que sempre foi a primeira alternativa do imperialismo americano para terras tupiniquins. A extrema direita, nessa modalidade representada pelo bolsonarismo, por uma série de fatores, sobretudo pelo peso da crise econômica e pela tendência mundial, assumiu esse vácuo. A tendência é que Bolsonaro seja um dos primeiros a cair. A base social de Bolsonaro não parece suficiente para resistir à evolução dos acontecimentos.
3- Minha tese é a de que os mais garantidos à frente do golpismo são os militares e os Chicago boys.
Os militares tem a instituição como baluarte. Muito difícil mexer neles. Mas o imperialismo já conta com um oficialato neoliberal e reacionário. Não existem esquerdistas entre os generais de quatro estrelas.
E os Chicago boys também são revogáveis pelo imperialismo. Mas outros Chicago boys assumirão o posto. Nenhum economista com ares de keynesianismo está cotado para as altas instâncias da fazenda ou do banco central. Não por ora. Talvez daqui a alguns anos, depois da economia estar completamente quebrada e o patrimônio público entregue aos abutres.
4- Lava Jato, evangélicos e lunáticos do olavismo também estão sujeitos a dar passagem. São todos elementos muito descartáveis. Damares e Olavos são por demais caricatos; são fracos e sem solidez alguma.
5- Pelas próprias circunstâncias atuais, com um generalão na vice presidência, o impeachment é sim muito provável e previsível.
Mas o Mourão vai assumir dentro do formalismo democrático. Um golpe militar aberto seria uma política de ponta de lança e de alto risco, por atrair convulsões políticas. Não é algo descartado. Poderia acontecer. Não me lembro quem por esses dias falava de uma contra-revolução de prevenção. Mas parece não ser o caso. Pelo menos não por enquanto. A tendência é Mourão ser alçado à presidência na tentativa de estancar a sangria. Isso pode levar meses; talvez mais de um ano ou dois. Mas Bolsonaro não tem condições de chegar ao fim do mandato.
6- A questão mais importante aqui é saber em quais condições Mourão deverá assumir a presidência. Se as massas tomarem as ruas no próximo período, e se a classe trabalhadora tiver um papel decisivo na queda de Bolsonaro, Mourão assume acuado.
Se a queda de Bolsonaro for restrita a uma movimentação parlamentar, sem atuação significativa das massas, Mourão assume com ímpeto para seguir na aplicação do pacote de maldades que já está em curso.
Moro e a Lava Jato são peões diretamente controlados pelo departamento de estado americano. São agentes treinados para executar essa política. Desde há anos. Mas não há como serem blindados diante das verdades que vem à tona. Serão descartados por força das circunstâncias.
2- O Bolsonaro foi improvisado de última hora para assumir a presidência. Isso tem a ver com o esgotamento do PSDB. O PSDB sim é que sempre foi a primeira alternativa do imperialismo americano para terras tupiniquins. A extrema direita, nessa modalidade representada pelo bolsonarismo, por uma série de fatores, sobretudo pelo peso da crise econômica e pela tendência mundial, assumiu esse vácuo. A tendência é que Bolsonaro seja um dos primeiros a cair. A base social de Bolsonaro não parece suficiente para resistir à evolução dos acontecimentos.
3- Minha tese é a de que os mais garantidos à frente do golpismo são os militares e os Chicago boys.
Os militares tem a instituição como baluarte. Muito difícil mexer neles. Mas o imperialismo já conta com um oficialato neoliberal e reacionário. Não existem esquerdistas entre os generais de quatro estrelas.
E os Chicago boys também são revogáveis pelo imperialismo. Mas outros Chicago boys assumirão o posto. Nenhum economista com ares de keynesianismo está cotado para as altas instâncias da fazenda ou do banco central. Não por ora. Talvez daqui a alguns anos, depois da economia estar completamente quebrada e o patrimônio público entregue aos abutres.
4- Lava Jato, evangélicos e lunáticos do olavismo também estão sujeitos a dar passagem. São todos elementos muito descartáveis. Damares e Olavos são por demais caricatos; são fracos e sem solidez alguma.
5- Pelas próprias circunstâncias atuais, com um generalão na vice presidência, o impeachment é sim muito provável e previsível.
Mas o Mourão vai assumir dentro do formalismo democrático. Um golpe militar aberto seria uma política de ponta de lança e de alto risco, por atrair convulsões políticas. Não é algo descartado. Poderia acontecer. Não me lembro quem por esses dias falava de uma contra-revolução de prevenção. Mas parece não ser o caso. Pelo menos não por enquanto. A tendência é Mourão ser alçado à presidência na tentativa de estancar a sangria. Isso pode levar meses; talvez mais de um ano ou dois. Mas Bolsonaro não tem condições de chegar ao fim do mandato.
6- A questão mais importante aqui é saber em quais condições Mourão deverá assumir a presidência. Se as massas tomarem as ruas no próximo período, e se a classe trabalhadora tiver um papel decisivo na queda de Bolsonaro, Mourão assume acuado.
Se a queda de Bolsonaro for restrita a uma movimentação parlamentar, sem atuação significativa das massas, Mourão assume com ímpeto para seguir na aplicação do pacote de maldades que já está em curso.
sexta-feira, 3 de maio de 2019
Capitães da Areia
Breve resenha do romance de Jorge Amado
Semana passada li Capitães da Areia, do Jorge Amado. Livro ótimo. Me deixou impressionado. Já tinha visto o filme uns anos atrás. Desde então procurava oportunidade de ler o livro.
Mês passado me deparei com uma edição numa feira de troca de livros. Não li logo de cara porque tinha outra leitura naquele momento. Mas depois que comecei a ler fiquei encantado. É realmente um livro extraordinário. Já tinha lido alguns livros do Jorge Amado. Um deles em especial me chamou muito a atenção: Suor. Recomendo.
A escrita de Jorge Amado é simples e sedutora, envolve o leitor. Fica quase impossível não devorar o livro. É daquelas obras que não dá vontade de parar de ler. Capitães da Areia, em especial, além da fascinante trama, é um livro deveras comovente. Jorge Amado retrata a vida de um grupo de crianças de rua, crianças órfãs e abandonadas que vivem do crime e que se escondem numa casa abandonada em frente à praia, o trapiche. Por isso o nome de capitães da Areia. Esse grupo de fato existia em Salvador. Jorge Amado chegou a dormir lá com eles antes de escrever o livro.
Essa última informação vem ao final da edição que tive acesso, da Companhia das Letras, numa citação da também escritora Zélia Gatay, esposa de Jorge. E o cara captou com singular empatia a condição das crianças de rua.
O livro causou celeuma à época de sua publicação. Chegou a ser queimado em praça pública na Bahia. Jorge Amado o lançou no ano de 1937. Era, então, um jovem de 24 pra 25 anos.
É um romance de denúncia, de contundente crítica social. Não teria como passar incólume. E outra, no livro Jorge Amado também faz apologia ao comunismo. Pois é, Jorge Amado era comunista, chegou a ser deputado federal e dirigente político do PCB, que naquela época era um partido influente na vida política brasileira. Jorge Amado chegou a ser exilado em algumas circunstâncias, mas sempre foi um escritor popular, um best seller, adaptado para o cinema e para novelas de tv.
Capitães da Areia, como eu dizia, é uma pérola da literatura brasileira. Jorge Amado com muito talento vai ao âmago de um problema social grave e controverso e extrai disso uma gama de personagens maravilhosos e cativantes.
Não existe um personagem principal. O personagem principal é o grupo das crianças. O escritor conta a história e traça o perfil psicológico de umas oito crianças. Cada uma traz sua peculiaridade.
Pedro Bala, o líder do bando, é valente, destemido, filho de um líder operário que morreu com tiro da polícia em uma greve de estivadores. Pedro Bala traz as características do pai, a principal, a sede de justiça social, a preocupação com a comunidade. Tem o Pirulito, um menino religioso, que quer ser padre, muito devoto, e que passa horas em vigília rezando nas madrugadas do trapiche. Tem o Professor, o único letrado do grupo, um menino míope fissurado em ler, que passa as noites em meio aos livros, com uma vela ao lado. Tem o Sem Pernas, um menino aleijado, muito malandro, que tem facilidade de encantar as pessoas e se aproveitar delas depois. Tem o Gato, um malandrinho elegante, que gosta de andar bem vestido e que namora com a prostituta Dalva. Tem a Dora, a única menina do grupo, que perdeu os pais numa epidemia de varíola, uma menina muito carinhosa, que acaba se tornando a mãe do grupo. Tem um que é fã de Lampião e que sonha em ser cangaceiro.
Enfim, são personagens realmente muito interessantes, com histórias incríveis, muito tristes porém, que despertam compaixão e carinho aos leitores. Tudo isso em meio à rapsódias de traquinagens e pequenos delitos, fugas da polícia, dos internatos, etc.
Algumas histórias são muito tristes e comoventes, de partir o coração, de arrancar lágrimas ao leitor. São crianças, claro, despertam naturalmente a consternação, mexem com a nossa sensibilidade. É um livro que me comoveu muito. Que me arrependo de não ter lido antes. Recomendo muito mesmo.
Semana passada li Capitães da Areia, do Jorge Amado. Livro ótimo. Me deixou impressionado. Já tinha visto o filme uns anos atrás. Desde então procurava oportunidade de ler o livro.
Mês passado me deparei com uma edição numa feira de troca de livros. Não li logo de cara porque tinha outra leitura naquele momento. Mas depois que comecei a ler fiquei encantado. É realmente um livro extraordinário. Já tinha lido alguns livros do Jorge Amado. Um deles em especial me chamou muito a atenção: Suor. Recomendo.
A escrita de Jorge Amado é simples e sedutora, envolve o leitor. Fica quase impossível não devorar o livro. É daquelas obras que não dá vontade de parar de ler. Capitães da Areia, em especial, além da fascinante trama, é um livro deveras comovente. Jorge Amado retrata a vida de um grupo de crianças de rua, crianças órfãs e abandonadas que vivem do crime e que se escondem numa casa abandonada em frente à praia, o trapiche. Por isso o nome de capitães da Areia. Esse grupo de fato existia em Salvador. Jorge Amado chegou a dormir lá com eles antes de escrever o livro.
Essa última informação vem ao final da edição que tive acesso, da Companhia das Letras, numa citação da também escritora Zélia Gatay, esposa de Jorge. E o cara captou com singular empatia a condição das crianças de rua.
O livro causou celeuma à época de sua publicação. Chegou a ser queimado em praça pública na Bahia. Jorge Amado o lançou no ano de 1937. Era, então, um jovem de 24 pra 25 anos.
É um romance de denúncia, de contundente crítica social. Não teria como passar incólume. E outra, no livro Jorge Amado também faz apologia ao comunismo. Pois é, Jorge Amado era comunista, chegou a ser deputado federal e dirigente político do PCB, que naquela época era um partido influente na vida política brasileira. Jorge Amado chegou a ser exilado em algumas circunstâncias, mas sempre foi um escritor popular, um best seller, adaptado para o cinema e para novelas de tv.
Capitães da Areia, como eu dizia, é uma pérola da literatura brasileira. Jorge Amado com muito talento vai ao âmago de um problema social grave e controverso e extrai disso uma gama de personagens maravilhosos e cativantes.
Não existe um personagem principal. O personagem principal é o grupo das crianças. O escritor conta a história e traça o perfil psicológico de umas oito crianças. Cada uma traz sua peculiaridade.
Pedro Bala, o líder do bando, é valente, destemido, filho de um líder operário que morreu com tiro da polícia em uma greve de estivadores. Pedro Bala traz as características do pai, a principal, a sede de justiça social, a preocupação com a comunidade. Tem o Pirulito, um menino religioso, que quer ser padre, muito devoto, e que passa horas em vigília rezando nas madrugadas do trapiche. Tem o Professor, o único letrado do grupo, um menino míope fissurado em ler, que passa as noites em meio aos livros, com uma vela ao lado. Tem o Sem Pernas, um menino aleijado, muito malandro, que tem facilidade de encantar as pessoas e se aproveitar delas depois. Tem o Gato, um malandrinho elegante, que gosta de andar bem vestido e que namora com a prostituta Dalva. Tem a Dora, a única menina do grupo, que perdeu os pais numa epidemia de varíola, uma menina muito carinhosa, que acaba se tornando a mãe do grupo. Tem um que é fã de Lampião e que sonha em ser cangaceiro.
Enfim, são personagens realmente muito interessantes, com histórias incríveis, muito tristes porém, que despertam compaixão e carinho aos leitores. Tudo isso em meio à rapsódias de traquinagens e pequenos delitos, fugas da polícia, dos internatos, etc.
Algumas histórias são muito tristes e comoventes, de partir o coração, de arrancar lágrimas ao leitor. São crianças, claro, despertam naturalmente a consternação, mexem com a nossa sensibilidade. É um livro que me comoveu muito. Que me arrependo de não ter lido antes. Recomendo muito mesmo.
sexta-feira, 29 de março de 2019
Manifesto da FIARI / Por uma arte revolucionária e independente
O manifesto da FIARI, a Frente Internacional por uma Arte Revolucionária e Independente, foi um dos manifestos mais importantes do século XX. Leon Trotsky e André Breton, tiveram em 1938, na Cidade do México, um encontro histórico do qual resultou, após muitos debates entre eles e outros agentes culturais, este documento, cuja versão final foi elaborada por Breton e Diego Rivera, com a aquiescência de Trotsky.
Breton, que teve passagem pelo Partido Comunista Francês, do qual chegou a ser expulso, se aproximou do trotskismo a partir de críticas à frente popular na França e de críticas à política da Internacional Comunista, controlada pelo stalinismo, que levou à derrota de várias revoluções em diferentes lugares do mundo, como Espanha e China, por exemplo.
Breton vai ao México visitar Trotsky em 1938 e dessa visita surge o documento em questão. O gênero do manifesto era muito comum entre as vanguardas artísticas do início do século XX. Serviam como espécie de panfleto, para disseminar as ideias de uma determinada escola. O manifesto da FIARI trazia os princípios revolucionários com relação à arte e à cultura.
É importante ter em mente que a burocracia soviética, de posse do Estado russo e do aparelho da Internacional Comunista, mantinha o controle dos artistas, transformando-os em lacaios do regime, suprimindo liberdade e personalidade artísticas. O manifesto da FIARI tem por fundamento defender a mais absoluta liberdade dos artistas. O capitalismo em declínio já não é capaz de assegurar ao artista a liberdade necessária à criação. Isso está dado.
Não há como se vislumbrar uma arte independente dentro de condições de um mercado monopolizado. Mais tarde outros autores, com destaque para o filósofo Adorno, trataram da questão da indústria cultural. Cinema, teatro, música, enfim, todos os ramos da arte se tornam objetos de mercadoria no capitalismo. E é a indústria e o mercado que definem a demanda de artes. Isso faz do artista um reprodutor, ao invés de incentivar o gênio criativo.
Já o Estado operário russo, que em seu início liberou a cultura e as apresentações artísticas aos trabalhadores, com a ascensão stalinista, as artes passaram a ser hegemonizadas pela burocracia, que ditava a criação dos artistas. Um aviltamento. Havia controle ideológico e político dos conteúdos tratados pela arte. O que reproduzia a mesma dinâmica de imposição de fora e alheia às artes.
O manifesto da FIARI, em consonância com o espírito do Programa de Transição da Quarta Internacional, que surgiu no mesmo ano, apontava para a necessidade de uma transição de regime político e de cultura. Tanto a arte é revolucionária por si mesma, como mais revolucionária será se estiver livre de quaisquer restrições ou manipulações.
Nada e ninguém deve restringir o espírito artístico, pelo bem da revolução e da humanidade. A luta por uma arte livre é essencialmente revolucionária. Como a burocracia soviética não era revolucionária, mas pelo contrário, contrarrevolucionária, mantinha a arte presa com grilhões.
A arte só será realmente independente com a vitória da revolução. Esse é o ponto central do manifesto. A contracultura, por exemplo, por mais progressista que seja, não será a solução para a arte, pois ainda não rompe com a materialidade capitalista. No limite, fica sob o domínio das modalidades clássicas e convencionais de arte, quando não é cooptada, que é o que geralmente acontece.
O poder do capital se espraia pela sociedade e o capitalismo se apodera dos espaços intelectuais e de espetáculos, controlando o espírito criativo, adormecendo o ímpeto revolucionário, sobretudo das juventudes, trazendo as manifestações artísticas para dentro de uma esfera de dominação da cultura do status quo. Isso, por exemplo, é muito comum no cinema. A indústria é poderosíssima e o poder financeiro por detrás incute ideologias em grande escala.
O mesmo acontece com as novelas, gênero popular no Brasil que faz as cabeças da massa. O caráter ideológico é marcante nessa modalidade de produto “cultural”. Nos programas de TV, de rádio, na música, os elementos progressivos são assimilados de modo a livrá-los do que tem de revolucionário, no sentido de domá-los dentro do que é tido como aceitável para o sistema.
É necessário, mais do que nunca, que os revolucionários se envolvam na luta por uma arte revolucionária e emancipada. Já o fazem ao passo em que lutam pela revolução. Como dissemos acima, arte e revolução dialogam entre si e dependem mutuamente do sucesso uma da outra.
No Brasil de hoje, e na América Latina, se faz necessário a independência do imperialismo e dos estrangeirismos. Não que a cultura pop não possa ser assimilada, mas que o seja de forma crítica, e sem que anule ou esmaeça o que temos de mais característico, nossa rica cultura popular, de resistência, de protesto.
Vários coletivos de arte surgem de norte a sul no nosso continente e no mundo. E nós somos entusiastas dessas iniciativas. É preciso se agrupar por fora das margens do sistema e fazer veicular insubmissa nossa arte e nossa criatividade, nossa cultura, contracultura. Por mais que os tempos sejam difíceis, devemos fazer com nossa militância, com nossa criatividade, uma arte que seja capaz de pensar o mundo de modo crítico, e de engendrar uma vaga revolucionária nas artes e nas ruas.
Para dialeticamente conspirar contra a atual ordem das coisas, criar hegemonia, contribuir com a movimentação revolucionária das classes populares. Ao passo que as sublevações populares e as revoluções criarão um mundo novo em que será possível a criação artística livre de quaisquer amarras, sem constrangimento externo de qualquer natureza.
Saudamos de especial maneira os artistas engajados, que fazem de suas artes verdadeiras metralhadoras antissistemas. Aos camaradas dos movimentos sociais, poetas, músicos, romancistas, cineastas das periferias, que fazem das tripas coração para publicar seus materiais, na maioria das vezes sem ganhar nada, mas tirando recursos dos próprios bolsos para fazer ver sua arte veiculada.
Levantamos a necessidade de criar amplos espaços de divulgação e congraçamento dos artistas revolucionários, como a criação de festivais e congressos, espaços que nos sirvam para compartilhar e dar vazão não só aos trabalhos uns dos outros, mas à novas estéticas, novas vanguardas, para vermos fluir o que muitas vezes a indústria e o monopólio estancam enquanto possibilidade artística.

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