A menina desce da van correndo, quase atropela um velho na
calçada e entra afoita em busca da mãe.
_Mãe, mãe, vem cá! Deixa eu perguntar uma coisa. Eu posso
ser o que eu quiser depois que crescer, né?
_Só depois que você tirar esse tênis sujo antes de entrar na
minha cozinha. Dá aqui um beijo na sua mãe.
A mulher beija a criança.
_Que foi que chegou toda serelepe?
_Mãe, quando eu crescer eu quero ser padre! - anunciou
animada.
_Padre?!
_É, mãe, padre, padre de igreja, pra fazer missa!
_Maria Alice, você é menina. Eu já te expliquei que você
nasceu com pepeca, menina. Esqueceu?! A gente teve esse conversa mês passado.
_Ah, mãe...mas eu quero ser padre, ficar em cima do altar
com aquela roupa branca bonita, ouvir o povo se confessando, saber dos pecados,
mandar eles rezarem dez ave-marias depois...
_Filha, você é menina. Você pode ser uma porção de coisas
legais quando crescer, pode até casar e ter um bebê bem fofo. Ou dois bebês
fofos, três, enfim...Já pensou?!- indagou a mãe esperando uma resposta
afirmativa da criança.
_Não, mãe, você tá fugindo do assunto. Eu não quero saber de
bebês.
A mãe desistiu de dissuadir a criança.
_ Então sobe e vai tomar o seu banho. Depois desce rápido
pra almoçar.
A menina fechou a cara, arrastou com desdém a mochila pesada
e entrou pelo corredor da casa, subiu emburrada pelas escadas. O assunto
ficaria pra depois. Contrariada a menina ficou reflexiva. E da escada ouviu a mãe falar sozinha:
_Daqui a pouco chega o João Lucas falando de ser freira...
De noite a mulher recebe o marido.
_Amor, você não vai acreditar no que a Maria Alice inventou
hoje.
_Hum, me fala.- perguntou o pai demonstrando interesse.
A mulher esboçou um sorriso e contou.
_Ela disse que quer ser padre-
O pai gargalhou.
_Ah, não. Era só o que faltava. Padre?! Você sabia que eu
venho de família anticlerical, Vera?
_Anti o que? – perguntou a esposa fazendo cara de que não
havia entendido.
_Anticlerical, que tem bronca de padre. Meu vô detestava
igreja, padre, qualquer coisa do tipo. Não deixou a mulher batizar os filhos,
proibia tudo que fosse relacionado à igreja.
_Puxa vida, esse seu vô era uma figura.
_Mas olha... pelo menos a Maria Alice quer ser padre. Nada
dessa coisa carola de ser freira, de véu, saia arrastando...Tem visão ela.
Parou um pouco de falar, pra morder um lanche assim que
sentara no sofá. Encostou as costas, esticou as pernas. Pensou um segundo e
retomou o raciocínio.
_A menina tem personalidade! Padre...- continuou rindo. _Ela é espirituosa. Essa menina deve ter um QI de 150. Tinha que ser minha
filha- gabou-se o pai enquanto mastigava.
Enquanto isso Maria Alice descia as escadas com pressa.
_Pai!
Se atirou do colo do pai e o abraçou com força.
_Pai, a mãe te falou que eu vou ser padre quando crescer?!
_Ah sim, falou. Tava falando agora. Tem certeza? É uma vida
que exige muita dedicação?
_Sei – respondeu a filha sem ligar pra ponderação do pai.
_ Você só tem nove anos, até lá dá pra pensar melhor, né.
Tem que estudar. Aí você vira o que você quiser.
_Tá bom, pai.
_Mas agora vamos jantar, minha filha, que por enquanto eu já
te mostro como é comer como um padre, tá certo?!
E foi a família pra mesa.
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