Não dá pra jogar a polêmica pra debaixo do tapete. Natal é uma data polêmica mesmo. Eu sou católico e sempre comemorei a data, mas não da mesma forma todas as vezes. Quando pequeno, participava das ceias de família, porque criança não tinha outra alternativa a não ser fazer o que o pai e a mãe achavam melhor. Na adolescência comecei a me rebelar. Um dos melhores natais vivi aos 16. Fui com um pessoal de uma comunidade da igreja passar o natal com os pobres, na rua, na Praça da Sé pra ser mais específico. Pronto, meus natais nunca mais seriam os mesmos. Larguei aquela coisa clichê, cafona e hipócrita de aguentar parente chato depois de se empanturrar de peru e arroz branco com passas, quando não bêbado, e fui encontrar um sentido mais genuinamente cristão e virtuoso pro meu natal. Por que tanta gente se empanturrando enquanto outros estão na miséria? A pergunta que não quer calar, a indignação a transpassar o peito. A contradição colocada.
Ninguém merece um tio do pavê, ou um primo pra sorrir e abraçar e nunca mais trocar palavra até o próximo natal a menos que haja um velório antes. Não, ninguém merece. Tudo bem que natal é tempo de congraçamento, unidade, todas essas coisas. Mas também não dá pra forçar a barra de aguentar gente chata e fazer uma média como se tudo estivesse muito bem. A menos que a gente tope se render ao cinismo e à dissimulação e conviva bem com isso nos meses subsequentes.
Tudo bem, há muita gente que não se importa com isso, mas se vc, assim como eu, não suporta falsidade ou fingimento, o melhor a fazer é romper com o velho ciclo do natal das aparências, esse natal inautêntico das famílias decadentes, pra ir caçar coisa melhor a fazer.
Como católico praticante, eu sugiro algo pra espiritualizar a ocasião. Já que o natal foi cooptado e degenerado pelo sistema, sabemos como a antiquada lógica do consumismo, que nada tem a ver com o espírito natalino, perverteu uma data que nasceu pra celebrar o nascimento do menino Deus que veio ao mundo anunciar o amor e a concórdia, o melhor a fazer seria retornar às origens da festividade, num movimento de meditação, que sugerisse arrependimento dos equívocos, aspirações positivas, etc, tudo o que sugerisse um verdadeiro encontro com aquilo que há de bom em nós.
E não precisa nem ser cristão pra isso. Ou já que a maioria se diz cristã e a data tá aí pra ser tirada como feriado nacional, uma boa forma de vivê-la sem se rebaixar ao senso comum, com todos seus vícios e banalidades, seria permitir-se a uma introspecção capaz de perscrutar o que de mais autêntico existe dentro de nós, aquilo que somos e que ninguém pode nos tirar. Porque a paz também é algo interior, e resistir ao barulho e à mediocridade que viceja em torno é permitir que o exterior não nos contamine com coisas que não nos dizem respeito.
Eu desejo aos leitores um feliz natal, autêntico e singular. Não hesitem em tocar o ''foda-se'' se tocar o ''foda-se'' for o melhor a se fazer. Esse pode ser o último natal, nunca se sabe. A vida é muito valiosa pra perder em comilanças e conversa fiada.
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