"Do suor de teu rosto comerás o teu pão"
Gênesis 3, 19
Quando eu tô deprimido, escrevo menos. E escrever menos não é interessante pra mim, haja visto que mantenho esse blog. Ou seja, depressão atrasa bastante o meu lado. Até porque o blog tem poucas visualizações; e se eu posto menos conteúdo, as visualizações caem ainda mais. E aí eu fico deprimido. É um círculo maldito.
Então, pra tentar matar dois coelhos em uma cajadada só, pensei: Bom, vou escrever sobre depressão. Mas depressão implica muita coisa. E outra, depressão pode ter várias causas. Então vou falar de mim. Eu sou narcisista o bastante pra fazer isso sem me preocupar muito.
A depressão no meu caso chegou há uns quatro anos e meio. Depois de uma crise de abstinência de rivotril. Tomei o tarja preta por sete anos. Isso mesmo. Sete longos anos. Rivotril é uma delícia. Comecei a tomar por conta de uma síndrome de pânico que me acompanha desde os 17. Pois então, fui tentar parar com o rivotril e dei uma surtada. O que era pânico virou pânico e depressão, muita ansiedade, pensamentos suicidas, etc. Mudaram meu diagnóstico pro cid F-41, transtorno misto de ansiedade e depressão. Por esses dias fui pegar um encaminhamento pra ser atendido mais perto de casa e observei no prontuário que o último psiquiatra que tinha me visto resolveu alterar o cid; colocou F-39, transtorno de humor.
Mas enfim, o fato é que sou um transtornado. Não que isso faça muita diferença. Meio mundo é, muita gente já surtou, outros tantos estão surtando e muitos outros irão surtar. O surto é parte integrante da contemporaneidade e a gente vai empurrando com a barriga, antidepressivos ( também podem ser ansíoliticos, reguladores de humor, benzodiazepínicos, anti-psicóticos nos casos mais graves, etc ) e sessões de análise. A impressão que eu tenho, e eu julgo que minha impressão faz muito sentido, é que nada disso realmente resolve.
Tomo antidepressivos há mais de 15 anos, faço análise há quase cinco; cheguei à conclusão, empírica mesmo, com conhecimento de causa, de que os sintomas só melhoram mesmo quando a vida melhora, as condições materiais da vida, o conforto material, o nível de sossego, essas coisas.
Eu falei mais ou menos o seguinte há uns meses atrás: não dá pra entender esse mundo em que a gente vive sem ler Marx e Freud. Mas nessa sequência, primeiro leiam o Marx e depois o Freud. O materialismo dialético é insuperável. Porque são as coisas materiais que determinam tudo nesse mundo.
Mas, voltando ao tema, e justificando o desvio, chego aqui ao que julgo ser o motivo da minha depressão. Sem desconsiderar eventuais fatores endógenos, características de personalidade, tendências atuais. Mas o motivo de fundo, aquilo que entendo ser determinante no meu quadro, julgo ser a debilidade material.
Minha analista diz que eu não me implico enquanto sujeito. Ela deve ter razão. Eu sou um cara acomodado. Reconheço. Isso me faz depender materialmente da minha família. Acontece que minha família é pobre. E eu não consigo viver sem vez ou outra me ver em condições materiais precárias, o que me deixa chateado, apreensivo, preocupado, e, por consequência, deprimido. Ou seja, se o leitor acompanhou o encadeamento lógico, concluirá comigo: esse cara é depressivo de pobre que é. Pode haver um elemento ou outro a ser considerado como agravante, mas a pobreza, a miséria material por assim dizer, é que explica tal desarranjo existencial.
Talvez algum interlocutor objetasse: Não seria a preguiça?! Sim, concluiria, o Mário é pobre porque não trabalha, e não trabalha porque é preguiçoso, é um indolente inveterado. Seria uma outra forma de encarar a questão, uma forma mais ideológica, certamente.
A gente vive num mundo de gritante utilitarismo. A ideologia do momento é a tal da meritocracia. Desde a literatura de auto-ajuda até os manuais que regem o meio corporativo, a idéia mais batida é a de que o sujeito pra ser bem sucedido tem que ser produtivo, determinado, abnegado. Tem o tal do "foco". Nunca se usou tanto esse termo como agora. Sobrevive ao ambiente empresarial quem é forjado em metas, quem subsiste apesar das adversidades e crueldades do mercado de trabalho. Eu, como nunca me adaptei em tal estrutura, me vejo dissituado, tendo que me ver com a contradição de ser improdutivo num mundo em que os improdutivos não servem. E tenho que me ver com a contradição de não estar apto ao consumo num mundo de consumismo.
Não é o fim do mundo. Desajustados existem aos montes por aí. Mas como ser desajustado sem sofrer? Dá pra ser desajustado sem ser excluído? Dá pra ser desajustado sem sofrer preconceito? Dá pra ser desajustado sem ser estigmatizado? No limite, tendo em consideração o modo de produção no qual estamos inseridos, com todas as contradições que o mesmo implica, daria pra ser desajustado sem ser depressivo? O mal estar na civilização já está dado. Que dirá o mal estar dos que ousaram não se adequar ao sistema!
Seu texto,lembra Policarpo Quaresma...mas ficou bom
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