
Como o Zé Simão costuma falar, o Brasil é o país da piada pronta. A política aqui é tão desmoralizada, a situação toda é tão patética, que até fica fácil fazer graça, é verdade. Mas a peça pinta com maestria o quadro político nacional; não é vulgar, não é rasteira; pelo contrário, hiperboliza o perfil falso-moralista e cínico dos golpistas, mas de modo a revelar os desejos latentes por trás da intolerância e do reacionarismo dos caras. Pra isso foram buscar na antropofagia de Oswald um elo histórico que mostrasse o complexo vira-lata do brasileiro, subserviente aos desmandos do imperialismo.
A peça retrata um industrial fabricante de velas em ruína financeira que se vê refém do capital americano. Um personagem que retrata bem o burguês brasileiro, lambe-botas, sem personalidade, que aceita passivamente a ingerência imperialista, que se resigna em viver de pedir as bênçãos do Tio Sam. Aliás, este é um dos personagens, excursionando ao Brasil pra "fazer a limpa". Com muita tranquilidade, sem resistências ou oposições patrióticas.
A gente sabe que a história do Brasil é uma história de lutas sociais e muitas resistências. Mas a peça trata da burguesia lacaia, da classe média coxinha imbuída da ideologia do sonho americano. O brasileiro médio só não abre mão do futebol e do carnaval. Do resto ele não reclama propriedade. Soberania é termo que não consta no dicionário da elite tupiniquim. Tudo isso a peça retrata com absoluto êxito. A concepção é perfeita. Faltou uma produção que estivesse à altura de seu gênio criativo.
Tenho uma amiga que estava na peça (e digo assim porque eles saíram de cartaz ontem) e fiz questão de dizer a ela que uma obra dessas devia estar circulando por aí, com fomento, patrocínio, encenando em teatros grandes, com figurinos de primeira, elenco forte, etc.
Duas atrizes e um ator se destacavam entre um elenco que julguei amador para algo da envergadura e propositura do que trouxeram público. Dá uma chateação ver o figurino pobre, a estrutura precária. O teatro de vanguarda no Brasil tá meio jogado às traças. Mas é isso, tem que resistir e fazer na marra, tem que denunciar essa nossa secular condição subalterna, esse estado permanente de golpes palacianos e imbecilização.
Viva a arte crítica e engajada!
Viva a antropofagia!
