terça-feira, 9 de janeiro de 2024

Fui na missa do padre Marcelo Rossi

Essa semana fui na missa do padre Marcelo Rossi, gente. Bom, o padre é muito famoso, dispensa apresentações. 

Vou falar aqui das impressões que tive. Achei que essa experiência merecia um comentário, uma análise. Então lá vai.


Padre Marcelo pop star


Tô agora com 39 anos e me lembro bem da ascensão do padre Marcelo. No fim dos anos 90 virou uma febre no Brasil. Era um fenômeno religioso inusitado. Outros padres já faziam esse trabalho midiático, com música, mas nada na proporção do que o Marcelo Rossi alcançou. Padre Marcelo estourou porque trabalhava com bonitas músicas do mundo gospel que tinham apelo catártico. O Brasil, de população católica e carente, num momento delicado socialmente, abraçou o carisma pop do padre novo e bonito que trazia alento religioso e místico, numa mensagem popular, fácil de ser assimilada, democrática. 

Depois disso muitas águas rolaram, mas o padre Marcelo se consolidou como a grande figura midiática do catolicismo.

Acompanhei essa trajetória de modo crítico. Sou católico praticante mas o padre Marcelo evidentemente não é o meu estilo preferido de padre. Tenho um amigo que frequenta as missas dele e que ficava de me levar lá pra conhecer. Demorei uns anos pra me animar a ir e fui agora, nesse último fim de semana. Segue então o relato do que vi lá. 


O lugar. A estrutura 


O lugar é estranho. Não muito, mas não é como um templo religioso convencional. É um espaço aberto, um imenso galpão sem paredes, com cadeiras de plástico dispostas em frente a um altar muito alto, distante do povo. Em frente a esse imenso altar fica um altar menor, improvisado, que é utilizado em algumas celebrações menores. O lugar é muito grande, tem alguns jardins, é espaçoso e facilita o trânsito da multidão. Na missa que eu fui calculei estarem presentes entre 4 e 5 mil pessoas. É gente pra caramba. Sério. No local tem várias lojinhas de produtos do padre Marcelo e de itens religiosos em geral; tem uma lanchonete bem grande e banheiros realmente imensos. Tem um estacionamento também. A estrutura é muito boa. 

Circulei pelo espaço e fui observando. O que mais me chamou a atenção, como católico, é que o santuário não tem capela. O sacrário, que para nós católicos é o lugar mais importante e precioso de uma igreja, fica ao lado do grande altar mencionado, ou seja, inacessível ao povo. É um sacrário bonito. Pelo menos isso. O templo também conta com bonitos painéis, de um artista italiano, me disseram. Não pesquisei pra ver. De perto eles não são muito interessantes. À média e longa distância eles ficam muito bonitos. São imensos, pra fazer jus, naturalmente, ao tamanho do lugar. Dentro do espaço há ainda algumas imagens de Nossa Senhora e jardins e árvores pequenas. Podia ser mais arborizado. O som do templo é muito bom mas há eco da bateria ao fundo do terreno, onde um muro separa o santuário de um corredor que serve de trânsito a automóveis que adentram suas dependências.

O que mais me chamou atenção depois foram as lojinhas. Ou melhor, os produtos das lojinhas. Além de terços, bíblias e imagens de santos, as lojinhas tem lá os livrinhos do padre e camisetas dele também. 

É horrível o sujeito comprar camiseta de padre. Imagina! Tinha uma lá que superava a cafonice toda da coisa; uma do padre Marcelo rodeado de uma bola de fogo, e embaixo os seguintes dizeres: "treino abençoado por Jesus". Exatamente, isso mesmo que você pensou, a camiseta do marombeiro de Jesus... rs. Uma camiseta pro sujeito mostrar na academia que gosta do padre Marcelo.

O padre Marcelo virou uma mercadoria, né. Imagino as vultosas somas de dinheiro que caem ali. O negócio tem forte apelo comercial. O que é meio natural nos dias de hoje também. Verdade seja dita. O lugar lembra a Canção Nova, que é também uma famosa plataforma católica de comercialização da fé. 


A missa. Os fiéis. O padre


A missa em si é bonita. Não nego. Com muita música, num ambiente que leva o sujeito à espiritualidade, à oração. Mas tudo sem reflexão crítica, claro. Tudo muito no nível do senso comum. O padre mesmo não fala muitas coisas. Ele é tipo um animador, puxando as músicas, antecipando as letras pra multidão cantar junto.

Padre Marcelo é um sujeito claramente limitado intelectualmente. Isso aí qualquer pessoa nota. É um sujeito de platitudes, de senso comum, que revela nas suas poucas palavras sinais de uma fé de certa forma infantil e fantasiosa. E o seu público é imagem direta disso. São pessoas simples do povo, muitas delas cobertas de terços e outras referências e adornos religiosos. Muitas famílias, muitos idosos. Arrisco dizer que mais da metade ali eram idosos. Enfim, pessoas simples, inclusive malucos. Com todo o respeito que eu tenho pelos malucos, gente. Maluco pra mim às vezes é o melhor tipo de gente.

Mas, enfim a sensação é essa, de uma multidão trabalhadora e oligofrênica, gente de vida funcional, teleguiada, uma manada praticamente. Isso é triste. Um povo sem educação, sem formação, ovelhas de um rebanho que fica refém do mais do mesmo.

Curioso que o próprio padre Marcelo é um sujeito claramente tutelado. Isso desde sempre. Ele não celebra as missas. Está sempre acompanhado do seu bispo. Nessa vez que fui, o bispo estava viajando. Quem presidiu a missa foi o bispo aposentado. Ou seja, a igreja não dá nem permissão pra ele presidir as missas. Queria entender melhor o porquê disso. O padre Marcelo não faz as pregações. Ele é só um animador de auditório num evento em que o povo aparece por sua causa. É impressionante.


É isso então 


Saí de lá com essas impressões. Difícil eu voltar. Essa minha incursão no mundo do padre Marcelo aconteceu na semana em que o padre foi interpelado por internautas a fazer a defesa do padre Júlio Lancellotti, que foi ameaçado de se tornar alvo de uma CPI na Câmara Municipal de São Paulo. O padre Marcelo não quis se posicionar. Claramente está no espectro político oposto ao do padre Júlio. Tudo indica que possa ser bolsonarista, não se coloca sobre questões sociais prementes, como é comum a religiosos fazerem. É um isentão, um conformista, um cara que lava as mãos. Ou seja, é um cara complicado. Não esperem muito dele. Creio que as pessoas não esperam mesmo.





segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Cuidado com a matrix!


"BBB pra mim é uma oportunidade de estar milionária. E pra eu ganhar, alguém precisa perder"


Frase clichê que poderia sair da boca de qualquer um desses garotos bolsonaristas ou agro-boys que participam anualmente do Big Brother, né. Mas não. A frase foi dita na chamada da tv por uma participante apresentada como assistente social. Uma moça de 24 anos, de Maceió. Uma menina com uma história triste. Começou a apresentação na chamada da tv dizendo que teve uma infância difícil, com muitas limitações materiais, etc. 

Essa moça me chamou a atenção porque é minha colega de Serviço Social. Tô indo agora pro quarto ano da graduação. Estou fazendo estágio já e planejando prestar concursos pra área. 

Muita gente não conhece, mas o Serviço Social é uma área muito progressista. A categoria é hegemonizada por uma diretriz teórica marxiana, primando por um discurso muito crítico do capitalismo e das relações sociais estabelecidas; tem um código de ética muito avançado; tem cursos universitários e pesquisadores que chamam atenção por sua vanguarda teórica arrojada e idealista. Existem, claro, os resquícios do passado conservador da profissão, que no seu início se caracterizava por um arranjo teórico doutrinário que mesclava positivismo, funcionalismo e o neotomismo da igreja católica (a principal origem da profissão). Mas esse passado, contudo, é cada vez mais relegado à defenestração. As novas gerações da categoria são formadas nos bancos das universidades com bastante empenho dos professores para o esclarecimento das questões sociais e das contradições econômicas do capitalismo. 

Por isso que me chamaram a atenção as duas frases finais da apresentação da jovem assistente social. Afinal, como uma pessoa que passou por quatro anos de graduação, num curso que tanto repisa as injustiças desse sistema de morte, pode cair no senso comum ordinário e fajuto de querer ser milionária numa sociedade de tamanha miséria social? Ou como tem a coragem de reafirmar um princípio egoísta da contemporaneidade neoliberal ao dizer que pra chegar a seu objetivo outras pessoas vão perder mesmo? Esse tipo de coisa soa estranha na boca de uma jovem assistente social.

O mundo é cheio de contradições, claro. Mas vale aqui o comentário, o apontamento. Não se trata também de eu querer participar no cancelamento da moça. É capaz que ela seja cancelada. Os tempos são de cancelamento. Eu me oponho frontalmente a isso. A crítica tem que ser ponderada e contextualizada. A moça é jovem e pode amadurecer as ideias nos próximos anos. 

O que me ocorre, e quero deixar claro aqui, é que tenho observado um duro travar de ideias na bolha esquerdista entre aqueles que se batem pelo marxismo stricto sensu (crítico aos moldamentos neoliberais na sociedade, cultura, etc) e aqueles que tem optado aberta ou indiretamente pelas ideologias liberais (um liberalismo de esquerda, identitário na esmagadora maioria das vezes, que tem pouca identificação com o movimento revolucionário dos trabalhadores e se aproxima ou se alia mais diretamente aos movimentos do campo da subjetividade pós-moderna e de classe média).

Tenho observado muito isso na faculdade. Na universidade isso fica mais patente mesmo. Noto isso no convívio com a molecada, observando suas ideias, as coisas com que se importam, suas prioridades e suas reações perante as discussões que são colocadas no cotidiano. 

O caso da jovem Giovana Letícia (é esse o nome da sister do BBB 24) é representativo dessa guerra ideológica travada, do duro assédio dos aparelhos ideológicos que captam a consciência inclusive de pessoas que por sua formação costumam estar mais protegidas de seus tentáculos. Ideologia é coisa séria. Ou a gente toma cuidado ou o sistema traga a gente pra matrix... É assim que funciona.