sábado, 24 de agosto de 2019

Quem disse que a coisa não pode piorar?



Hoje tava me lembrando de uma vez que peguei ônibus com minha mãe. Eu era criança e presenciei uma curiosa conversa dela com o cobrador. Isso aconteceu no começo dos anos 90. O homem era evangélico. Dizia pra minha mãe que na casa dele não se via tv; nem tinham aparelho. A religião não permitia.

Isso, é bom lembrar, era o começo dos anos 90. O Brasil era um pouco diferente. Tava me lembrando disso hoje e pensando. Que loucura.

Nos anos 90 a tv já era um meio de comunicação com uns 40 anos de vida. Já tinha se popularizado bastante no Brasil desde as décadas de 60 e 70. Tava um pouco tarde pra ser até então um objeto demonizado.

Acontece que esse fenômeno, o fenômeno do evangélico que não assistia tv por achar que era pecado, ou que a tv era coisa do diabo, era algo que não tinha a ver com o surgimento da tv em si, mas com a nossa realidade.

Em 2003 o PT chegou ao poder com uma política de crédito e incentivo ao consumo e todo mundo começou a comprar não só tv's (aquelas grandes, verdadeiros trambolhos em questão de tamanho e peso) mas máquinas de lavar, geladeiras, tudo o que era item doméstico. Casa mesmo as pessoas nem sempre tinham, mas isso é tema pra outros artigos.

Como eu dizia, não só a tv se popularizou, como o consumo em geral, as pessoas começaram a viajar de avião ao invés de passar vários dias dentro de um ônibus pra cruzar o país, além de começarem a cursar ensino superior. O país mudou um pouco pra melhor. Depois eu nunca mais tomei conhecimento de famílias evangélicas a se abster de ver televisão.

Nos últimos anos, com destaque para os últimos meses, o regresso material e cultural foi tão grande, que me ocorreu que é até capaz que esse fenômeno volte. Um fenômeno extremamente atrasado, uma coisa de mentalidade medieval. Mas o brasileiro tá tão exposto e influenciado por discursos sem razão que nada mais nos surpreenderia, não é mesmo?
No começo dos anos 90 o Brasil era mais industrializado. Vejam só.



                   

domingo, 18 de agosto de 2019

Snowden / Uma história dos nossos tempos



Ontem assisti Snowden: herói ou traidor, do Oliver Stone. Filme bom. Quem ainda não viu, deve ver. O filme é uma versão dramatizada da história do Edward Snowden, ex agente da CIA.

É uma versão hollywoodiana, com atores de ponta e todos aqueles traquejos dos filmes de suspense. Não faz muito meu tipo, mas realmente casa com a história do cara. A vida de Snowden é perfeita para Hollywood. Um roteiro e tanto.

E de algum modo é bom mesmo que tenha se tornado um blockbuster, pra popularizar esse fato tão extraordinário da história recente. Os chavões do gênero suspense passam quase imperceptíveis à trama do hacker americano.

O filme é de 2016. Fui assistir só agora. Reconheço que tô bem atrasado. Mas acho pertinente frisar a importância do filme.

A história de Snowden é a história de um dilema ético. O rapaz tentou ser militar, mas tinha físico frágil. Se lesionou e foi cortado das forças armadas. Era um tipo nerd, branquelo, magro, de óculos. Jovem conservador (isso vem a mudar no relacionamento com a mulher, que simpatiza com os democratas), autodidata, gênio da computação, ingressa no serviço de inteligência americano e passa a ser recrutado para tarefas de relevante importância na geoestratégia mundial.

Mas com o tempo começa a perceber que o governo americano não está tão interessado em debelar o terrorismo (crença que tinha quando jovem e que também lhe fora incutida por doutrinação na CIA), mas em tirar vantagens econômicas através de espionagem internacional e crimes de guerra.

O terrorismo é só um pretexto. Os Estados Unidos sempre se utilizaram desse expediente. A pretexto de cuidar da segurança nacional, os EUA cometem as maiores barbaridades e invadem a privacidade inclusive de pessoas comuns da população, e isso ao redor do mundo.

Snowden, ao perceber que ninguém tem privacidade no mundo, que qualquer um pode ser observado e vigiado através dos celulares e computadores, começa a ficar paranóico, e entra em crise.

Em determinado momento decide vazar provas dos crimes da CIA e se refugiar. Conseguiu asilo na Rússia de Putin. Se for pego pelos EUA, pode ser condenado e nunca mais sair da cadeia, que é o que pretendem fazer com o também hacker Assange.

O imperialismo é foda. Os caras não brincam em serviço. Snowden foi muito corajoso de se insurgir e dizer ao mundo as coisas que acontecem nas dependências do serviço secreto americano. Não é novidade, verdade, mas é sempre bom lembrar e colocar em evidência.

Parece teoria da conspiração, mas todos estamos sendo vigiados e monitorados. Cuidado com os nudes! E não façam sexo perto de eletrônicos...rs... Algum voyer da CIA pode estar usufruindo da sua intimidade. Surreal, mas acontece.



                   

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Democracia em Vertigem ( O fim do sonho petista )



Assisti só agora ao Democracia em Vertigem. Não tenho Netflix em casa. Tava todo mundo falando sobre o documentário. Arranjei uma cópia em dvd com um amigo, pra sanar a curiosidade e dar esse veredito.

Pois bem, tá aqui minha opinião. Não é um filme ruim. Pelo contrário, é um bom filme, bem montado, bem dirigido. Eu gosto da Petra Costa, do estilo, da estética. Assisti e me comovi muito com o filme Elena, documentário também, no qual ela conta a história da irmã que se suicidou após um processo depressivo. Filme excelente, de ótima fotografia; um filme com muito lirismo, muita delicadeza.

No Democracia em Vertigem fica difícil manter o padrão. Resta mais a voz arrastada da diretora. Uma vozinha gostosa,  que dá até sono.
O tema de agora também é duro, pungente, sofrido, mas muito mais controverso. Em Democracia em Vertigem ela aborda a história que tem mexido com os nervos de um gigantesco país. A história de um golpe, história recheada de injustiças, mas que nos coloca diante de reflexões acerca da história recente e que nos deve impelir a repensar rumos políticos.

É difícil assistir sem se indignar. A história do Brasil é realmente uma história de sucessivas desgraças.
E o filme de Petra Costa, verdade seja dita, é um filme que coloca o petista pra chorar. Filme de petista feito para petistas. Conta a história da própria Petra, de seus pais, militantes desde a época da ditadura, entusiastas declarados do Partido dos Trabalhadores e do ex presidente Lula. Com falas de sua mãe ao longo do documentário, com imagens de Lula e Dilma em situações de bastidores, na intimidade e em contato com populares. Um material que condiciona a simpatia do telespectador aos ex-presidentes. E não é que haja algo de errado nisso. É um viés legítimo de narrativa.

De forma autocrítica, porém, é bom frisar, o filme vai reconstituindo o cenário político dos governos do PT, das alianças entabuladas com as oligarquias e a direita, contando a fatídica história do golpe que derrubou Dilma e levou Lula à cadeia.

A parte que mais me revoltou foi a parte, perto do final, em que Lula é cercado pela multidão de militantes no sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo, onde Lula se hospedou antes de se entregar à prisão. A massa, indignada, se recusa a deixar Lula se entregar. A multidão do lado de fora empurra violentamente o portão para que o carro com o presidente não saia do local. Lula é obrigado a voltar para dentro. Todas as saídas do sindicato estão obstruídas pela militância. Lula é obrigado a sair escondido. Uma vergonha!

Poucos minutos antes no filme, algumas horas antes na história, Lula, do alto do carro de som, anuncia à multidão que se entregaria, dizendo que confiava na justiça brasileira. Os militantes choram, se desesperam. O povo tem um verdadeiro afeto por Lula; o povo se enfurece com a flagrante perseguição, se desconsola com a iminente prisão. O povo quer resistir, deseja o enfrentamento com os poderes do estado, mas Lula, resignado, professa sua fé na institucionalidade burguesa e se  encaminha para a injusta detenção.


O que falar disso? Repito o que tenho falado desde então: Luís Inácio não está à altura da figura histórica que se tornou. É um politico extremamente habilidoso, encantador de serpentes, de carisma inigualável, mas nunca teve peito de romper com o status quo, de propor uma autêntica ruptura em favor da classe trabalhadora.

O caminho da conciliação parece mais sensato a um primeiro julgamento, mas é um caminho fadado ao fiasco.
O Lula, se quisesse figurar como relevante figura histórica dos trabalhadores, deveria estar entre aquelas lideranças que não se sujeitaram ao acordo com os donos do poder. Simples assim. Há acordos que não devem sequer ser cogitados, quanto mais selados. A história não perdoa a pusilanimidade. O destino é cruel com os que dão as mãos aos inescrupulosos.