No meu primeiro ano de faculdade de filosofia na Unifesp, escrevi e publiquei um artigo que causou estremecimentos no campi. O título era ''Enfia o doutorado no cú''. Texto publicado numa rede social da época e que se perdeu. A frase brilhante, contudo, não foi fruto da minha criatividade, mas inspirada por uma pixacão no muro externo da faculdade. Usei a frase impactante pra chamar atenção a um texto que visava criticar o peleguismo dos professores.
O movimento estudantil fervilhava, com greves, ocupações, repressão da reitoria e da direção local, enfim, um momentto turbulento, no qual arregaçávamos as mangas e íamos atrás de nossos direitos. Entráramos numa universidade federal e não tínhamos sequer uma biblioteca que prestasse, quanto mais estrutura como bandejão e moradia.
Agora acabo de sair da cerimônia da minha colação de grau, uma cerimônia muito simples, pouquíssimo solene e bem rápida. Não tô nem acreditando que conclui o ensino superior. E devo confessar que estou contente. Não porque julgue grande coisa me formar na faculdade - qualquer idiota tem diploma superior hoje em dia - mas porque isso é uma conquista pessoal considerável diante dos contratempos que tive que
enfrentar no caminho, tais como doença e trancamento de matrícula. Fiquei por mais de dois anos distante dos bancos da universidade e, quando retornei, ainda encontrei muita dificuldade pra enfrentar os obstáculos burocráticos.
Nunca fui muito afeito à disciplina e, depressivo e sem ânimo, tive que superar embaraços em decorrência de minha personalidade difícil e a natural resistência de um ambiente que pode ser muito hostil a alguém que se engaja politicamente e levanta a bandeira do comunismo.
Fui preso duas vezes por atuar no movimento estudantil. Primeiro em uma ocupação de reitoria e depois num piquete de greve. Apanhei da polícia, fui algemado e passei longas horas detido, coisa que me deixou muito esmorecido à época.
Mas enfim, hoje colo grau. E impossível seria não lembrar dos três colegas que perdi na filosofia. Os três se suicidaram. Os três eram jovens, negros e pobres. A gente sempre corre o risco de glamourizar o suicídio, coisa muita séria, mas penso que os três foram vítimas de um sistema perverso e sufocante, e, mesmo discordando da decisão que tomaram, penso que não sou ninguém pra julgar, e acredito compreendê-los. Gostaria de dedicar essa formatura a eles. Lúis Carlos, Tilene e Tiago. Que Deus os tenha.
E espero continuar na militância por um mundo mais justo e igualitário. Optei por ser uma pessoa letrada, coisa que não me faz nem melhor nem pior que ninguém, mas que me faz ter uma visão de mundo e uma leitura da realidade peculiares. Pretendo continuar estudando, e, como intelectual orgânico, me esforçando pra fazer alguma diferença pra melhor nessa porra toda. A graduação por si só não me valeria muito. Aos que se julgam importantes por um diploma na parede, segue a dica do título.
Amar e mudar as coisas me interessa mais!
Belchior, Alucinação, 1976
Parabéns pela luta e término de uma etapa da vida acadêmica! Outras virão.... não se suicide... não resolve! Abraço!
ResponderExcluir