Sobre a polêmica envolvendo o artista nu na exposição do Museu de arte moderna. Reuni alguns comentários que fiz no Facebook e emendei num esboço de artigo.
A nudez não tem nada de reprovável. Caretice e falso-puritanismo o nome disso. A classe média brasileira é falso-moralista. A classe média é hipócrita. E é pervertida. É essa turma que perverte o mundo ao redor.
A questão aqui é a hiper-sexualiação do nu e da criança. Estão fantasiando erotismo onde não tem. Aqui em cima falei da classe média porque é pertinente um recorte de classe. A elite não se escandaliza com essas coisas; porque a elite é ilustrada, tem acesso a teatro, cinema, vernisages, etc, etc. Eles estão cansados de ver nudez em tudo que é manifestação artística. A classe operária, por sua vez, tem muito mais com o que se preocupar do que ficar "moralizando" a vida alheia. A classe média, que não é erudita ou esclarecida, mas que tem presunção de sobra, faz o maior escândalo diante de manifestações corriqueiras do mundo da arte ou da moral.
Mas, como dissemos, é uma hipocrisia só. Freud explica.
O coro dos recalcados tá expressando suas neuroses. E o artista paga o pato. Coitado do artista. O papel da arte é justamente desmistificar, desvelar, incitar pensamento crítico. E o papel dos escrupulosos é revelar as psicopatologias que assombram a psique.
A direita, oportunista, mistura entreguismo e palavrório neoliberal ao ranço conservador de incautos e segue no encalço do povo pobre. São agruras do modo de produção capitalista, com as contradições que o mesmo implica, com sua base material na exploração do homem pelo homem e suas consequências no que Marx chamava de superestrutura, o campo das idéias hegemônicas que dão substrato ideológico ao sistema social vigente.
E isso só se transforma com revolução social. A questão do enfrentamento ideológico é importante, bem como educação, etc. Mas, no limite, só a inversão da estrutura econômica da sociedade dá jeito.
sábado, 30 de setembro de 2017
domingo, 17 de setembro de 2017
O menino dos sinônimos
Observava o fluxo da rua, dos transeuntes distraídos, dos motoristas que guiavam automaticamente, como se não houvesse mundo fora dos limites do asfalto. Imaginou que deveria meditar mais, meneou a cabeça, reconsiderou o pensamento, fitou o céu da cidade ensolarada. Por fim cruzou olhar com ela, figurinha simpática. Era bonita, de uma beleza singela, tocante. O tipo de pessoa que desperta instantâneo afeto, de membros diminutos, semblante sereno e peito aberto no meio de um suspiro. Notou que tinha olhinhos claros, pele de adolescente na puberdade, com cravos e espinhas que não lhe roubavam a beleza e que ao mesmo tempo lhe atribuíam traços de ninfa. Resolveu se aproximar depois de alguns instantes de insegurança paralisante.
-Oi. Eu notei/ reparei/ observei/ constatei/ vi que você tá sozinha/ isolada. Pensei/ ponderei/ imaginei se podia de alguma maneira/ modo/ forma te distrair/ entreter.
A moça não conseguiu disfarçar o espanto, arregalou os olhos, esboçou um sorriso e amistosa estendeu a mão.
-Cara, você é muito louco! Prazer, Clara. Clarinha pros chegados.
-Prazer/ satisfação/ encantado. Ops, encantado é um termo/ designação/ palavra meio/ relativamente antigo/ ultrapassado/ velho mesmo.
Ele gesticulava um pouco estabanado, as pernas fixas numa mesma posição revelavam tensão diante da circunstância. A moça se impacientou.
-Como é o seu nome?
Ele gesticulava um pouco estabanado, as pernas fixas numa mesma posição revelavam tensão diante da circunstância. A moça se impacientou.
-Como é o seu nome?
-Júnior - respondeu num sobressalto.
-Senta aí - disse a garota abrindo espaço no banco do jardim. - Tô um pouco entediada, tentando parar de fumar. Me fala de você. Você parece gostar de falar.
Ele riu. Baixou rapidamente a cabeça e esfregou uma mão na outra enquanto tomava assento ao lado da pretendente. E desatou a falar.
-Ah, eu gosto/ aprecio/ estimo de conversar/ dialogar, às vezes falo/ expresso/ verbalizo muito/ demasiado/ exageradamente. É o que diz/ fala o pessoal. Mas/ no entanto/ entretanto/ todavia eu sigo/ continuo interagindo/ me relacionando com as pessoas. Pigarreou, emendou uma conclusão.
-Senta aí - disse a garota abrindo espaço no banco do jardim. - Tô um pouco entediada, tentando parar de fumar. Me fala de você. Você parece gostar de falar.
Ele riu. Baixou rapidamente a cabeça e esfregou uma mão na outra enquanto tomava assento ao lado da pretendente. E desatou a falar.
-Ah, eu gosto/ aprecio/ estimo de conversar/ dialogar, às vezes falo/ expresso/ verbalizo muito/ demasiado/ exageradamente. É o que diz/ fala o pessoal. Mas/ no entanto/ entretanto/ todavia eu sigo/ continuo interagindo/ me relacionando com as pessoas. Pigarreou, emendou uma conclusão.
-E você?
-Eu o que? - devolveu a moça em um sorriso aberto.
-Me conta/ narra/ explana sobre/ acerca de você.
-Não tô bem pra falar hoje, anjo. -Eu notei/ reparei/ observei/ constatei que você é muito/ bastante/ consideravelmente bonita/ interessante/ charmosa/ atraente. Eu quereria/ desejaria/ gostaria...
-Eu o que? - devolveu a moça em um sorriso aberto.
-Me conta/ narra/ explana sobre/ acerca de você.
-Não tô bem pra falar hoje, anjo. -Eu notei/ reparei/ observei/ constatei que você é muito/ bastante/ consideravelmente bonita/ interessante/ charmosa/ atraente. Eu quereria/ desejaria/ gostaria...
E num breve lapso, em um segundo que o garoto titubeou pra lançar o sinônimo subsequente, a menina se levantou.
-Desculpa, querido. Eu tenho namorado lá fora. Vou ver uma coisa na biblioteca. Virou as costas e foi andando.
-Desculpa, querido. Eu tenho namorado lá fora. Vou ver uma coisa na biblioteca. Virou as costas e foi andando.
-Elias Macedo Júnior - disse uma voz forte que se aproximava.
-Eu - respondeu.
-Toma aqui seu comprimido - disse o enfermeiro oferecendo água num copinho de plástico descartável. -Vê se não incomoda a paciente nova, falou?!
-Toma aqui seu comprimido - disse o enfermeiro oferecendo água num copinho de plástico descartável. -Vê se não incomoda a paciente nova, falou?!
quinta-feira, 7 de setembro de 2017
O que há por trás da caguetagem?
O que passa pela cabeça de um sujeito como o Palocci ao dedurar o grande figurão de seu partido, o último com algum prestígio político relevante com vistas a tentar o retorno do PT ao poder do estado? Logo ele, petista histórico, um dos cabeças do ascenso lulista ao Alvorada, homem forte da gestão de Luis Inácio, sucumbiu diante da possibilidade de passar bons anos no cárcere.
E aqui entre nós, cadeia é uma coisa horrível. Eu passei questão de horas preso e me senti muito mal. E olha que eu fiquei preso na Polícia Federal de São Paulo, com comida boa, mamão picadinho na sobremesa, banheiro em condições de uso, etc. Pegar cadeia numa boa deve ser mesmo para os que tem nervos de aço. A comparação de Palocci com Dirceu é inevitável. O último, que passou pela luta armada, na clandestinidade, tendo que se esconder por anos a fio da repressão dos milicos, seria capaz de passar o resto de seus dias no xadrez, levaria uma rotina de leituras e conversas amigáveis com outros presos e funcionários da carceragem, sem chamar nenhuma atenção, sem ter sequer um arroubo de claustrofobia, sem ter de tomar rivotril pra dormir ou laxante pra conseguir evacuar em latrina estranha.
Mas o Palocci não. Por que é médico, acostumado à vida boa? Por que é um traidor, sem consideração aos amigos e aos companheiros de partido? A tentação de tachá-lo com as alcunhas aí de cima é grande, mas, como eu dizia, não é todo mundo que tira cadeia numa boa. E, no caso em questão, todo mundo sabe, pra sair da prisão tem que delatar, mas não qualquer um, tem que delatar o Lula. Isso fica claro pra qualquer um que acompanhe minimamente a cobertura jornalística da Lava Jato. É um estado de exceção, é o fascismo da vulgaridade, mas é o que está posto, e, pra sair da cadeia, tem que delatar o Lula.
Alguém mais acostumado à adversidades do tipo, com psicologia distinta, como é o caso do exemplo maior do momento, Zé Dirceu, aguentou e aguentaria ainda mais. Seria capaz de ir ao sacrifício pelo partido e pelo líder. Mesmo sendo o Dirceu um sujeito já acostumado a um mundo de lobbyes e bebidas caras, gabinetes confortáveis e companhia distinta. Mas seria capaz de renunciar ao conforto e à liberdade para segurar as pontas e fazer a grande massa petista continuar sonhando com o Lula no Alvorada.
É curioso ver esse caso porque ele nos remete à importância do sujeito num caso de grandes proporções. Já se trata de duelo de titãs da macro política nacional, claro. Mas a situação coloca de novo nas luzes dos holofotes um cara que vinha perdendo toda sua influência política e caindo em desgraça junto com seu partido e que agora recebe de Moro a incumbência de figurar como protagonista num momento decisivo dessa novela ordinária mas determinante que se tornou a Lava Jato.
Tinha tudo pra ser um desfecho inexorável, dirão os defensores de Palocci; bobagem pagar o preço de ficar trancafiado nas masmorras da república de Curitiba. Mas o fato é que Palocci dedurou. E dedurar é feio. Ninguém gosta de dedo-duro. Sempre aparece alguém com dó do dedo-duro, pra explicar dizendo "olha, não é bem assim, ele deve ter raciocinado diferente, não é um degenerado como dizem. Entendam o lado dele". Mas ainda assim é feio dedurar.
E o caso da caguetagem que pode entrar pra história como a caguetagem determinante da prisão e execração completa de Lula vira a grande polêmica nacional, tão discutida nas redes sociais como o caso do tarado ejaculador do ônibus. Notem como é incrível o fascínio que existe pelo tipo que sai do anonimato pra emplacar fato relevante à história. Um Judas, um Brutus, carrasco ou incompreendido, língua solta ( com o perdão do trocadilho infame ) ou sujeito sensível.
A gente deveria estar mais preocupado em colocar a limpo o arqui-ardiloso plano do imperialismo e da CIA em forjar Moro como perseguidor-mor de petistas, a serviço de quebrar a indústria nacional e passar um pano pra tucanada, abrindo assim livre caminho ao neoliberalismo mais violento de que se tem notícia no mundo. Mas os próprios petistas se debatem pra ver o tamanho da culpa do Palocci e o que podem fazer para ainda sim continuar a sonhar com Lula 2018. Vemos que independente da leitura que fazem da desgraça na qual caiu Palocci, continuam depositando esperanças em 2018. E nem se sabe se vai haver 2018.
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