terça-feira, 28 de novembro de 2017

Em cima do guarda-chuva tem a chuva

Fez história no Mato Grosso há uns 100 anos atrás. Era tido como sujeito contraditório. Prezava pela modernização de sua fazenda, mas era extremamente conservador quanto aos hábitos da vida coletiva na cidadezinha. Tentou a vida pública, tinha pretensões políticas. Gostava de ser notado na vida social do lugar, era pernóstico, gostava de atrair toda atenção para si. Demorou a casar, queria a moça mais vistosa do lugarejo. E disputou-a com meia dúzia de pretendentes, todos eles filhos da elite local, dos senhores de fazenda, coronéis.
Ao cabo de uma boa peleja, como era corrente na língua dos matutos, desposou a jovem, filha única de pais comerciantes. Os velhos negociaram caro a mão da menina. O tino pro negócio fez arrancarem ao Matias uma pequena fortuna, suficiente para morrerem ricos e terem os restos depositados em bela capela de mármore branco, entre palmeiras e mortos ilustres da redondeza.
Matias via sua pequena fortuna voltar com juros e correções no nome da esposa, uma dona de meia idade capaz de atrair a lascívia de jovens, velhos, padres, quem a notasse.
E foi assim, ostentando a mulher mais desejada e tentando se projetar como político, que passou da condição de inusitada figura menor ao posto de lendária personagem local. Queria porque queria ver aprovado projeto seu de erigir um par de torres de 40 metros na igreja da matriz, já havia proposto um recolhimento compulsório afim de criar uma escola de oficiais; dizia acreditar no progresso do município, exaltava energicamente as qualidades morais dos sertanejos.
Não havia logrado êxito em nenhum empreendimento, com exceção do próprio casamento. Não contava com a simpatia das gentes. Tinha de se contentar com uma inexpressiva claque composta de poucos parentes e compadres. Até que por um novo capricho caiu definitivamente na boca do povo.
Foi quando tentou convencer os vereadores a criar um projeto de lei que proibisse os guarda-chuvas. E foi extremamente diligente na tarefa a que se propôs. Redigiu manifesto, coletou assinaturas, proferiu discurso de 50 minutos na tribuna da câmara. Moveu céus e terra para convencer a quem pudesse de que sua tese era acertada. Argumentava calorosamente sobre o absurdo de portar guarda-chuvas, ainda mais naquela sedenta terra em que viviam. O guarda-chuva era um desaforo à natureza benfazeja que proporcionava o refrigério à terra e a seus habitantes, o guarda-chuva era antinatural, objeto estranho a interpor o ciclo da vida dos corpos daqueles que o empunhavam, um sacrilégio! Tomassem chuva sobre suas cabeças e saberiam o que estavam perdendo, o contato íntimo com um dos fenômenos da natureza mais indispensáveis ao ciclo do desenvolvimento humano.
- A modernidade tem limites!, esbravejava. Aumentava o tom, vociferava, os olhos vermelhos de ira: - Não sejam renegados, os senhores estão a injustiçar a dádiva do Altíssimo, que do céu lhes envia o líquido da vida!
Começou a ficar impopular. Não que antes fosse popular, mas começava a atrair inimizades. Antes era apenas um fanfarrão a despertar inveja aos demais pela mulher que tinha. Passou a ser evitado, encarado como sujeito impertinente e maçante.
Caiu no ostracismo, relegado ao papel de lunático, motivo de piada, reduzido a objeto do escárnio de toda uma região. Acabrunhou-se por uns dias, forçando-se à tarefas da fazenda, porém sem ânimo, deprimido.
Optou por retirar-se uns dias. Embrenhou-se na mata para caçar, montou acampamento ao pé de um ribeirão. Contemplava o céu estrelado do sertão, lembrava da meninice. Sentiu-se aliviado da tensão lá pelo décimo dia de retiro. Tomou caminho de volta. Veria a mulher, faria amor, tomaria uns tragos da cachaça predileta. As coisas iriam melhorar. Chegou na casa da fazenda e surpreendeu a mulher em ardente felação a um jagunço.
Abafaram o caso com uma viagem, depois de uma conversa com o empregado. A história dos guarda-chuvas já havia sido suficientemente desgastante.

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