O Tacão de Ferro, de Jack London, é um livro que impressiona. Muito bom realmente. Trata-se de um romance, uma espécie de ficção sociológica em que o autor se vale do gênero literário para expor conceitos do marxismo e defender a tese de que nenhuma ilusão pacifista ou reformista seria capaz de impedir que o capitalismo enveredasse por regimes de violência em seus períodos de crise. E Jack London faz isso com maestria, prognosticando o socialismo reformista do início do século XX como falsa alternativa aos trabalhadores e prevendo o surgimento do fascismo como módulo político funcional às elites.
O Tacão de Ferro é uma expressão criada pelo autor para designar esse endurecimento do regime político. Trata-se da história de Ernest Everhard (o nome não é a toa), operário intelectual, líder do partido socialista, e posteriormente eleito deputado, que faz amizade com um professor universitário progressista e acaba por se envolver com sua filha, que por sua vez adere aos ideais de seu amado e escreve o livro como modo de reconhecer e engrandecer o trabalho de Everhard. É um livro escrito na primeira pessoa, com notas de rodapé de um editor do futuro, que escreve setecentos anos depois dos acontecimentos relatados no manuscrito. É um livro instigante, violento sobretudo da metade até o final, assumindo ares de distopia, mas que antecipa e prevê muito do que realmente aconteceria no trágico século XX.
O Tacão de Ferro foi publicado em 1907, tido à época como pessimista, acabou por se revelar uma profecia acertada do que viria a ser o sistema capitalista das décadas posteriores. O livro tem erros; na edição da Boitempo, com tradução de Afonso Teixeira Filho, há um posfácio de Trotsky no qual o mesmo reconhece haver erros, mas é de fato um clássico da literatura e merece ser propagado, tanto por sua riqueza estilística quanto pela tese extremamente atual da agonia do capitalismo como modo de produção caduco e fadado à barbárie.
O livro é extremamente atual porque aponta para o regime de barbárie social e violência política do imperialismo e porque coloca a questão da burocracia sindical como elemento importante do status quo; uma casta à parte é formada, dando origem a uma aristocracia operária, traidora, odiada pelos trabalhadores. O que tem tudo a ver com o peleguismo chapa branca do qual temos insistentemente falado como sendo um dos elos podres do regime político a ser ultrapassado pelo conjunto dos trabalhadores.
Outra característica interessante da obra é a hipérbole como elemento de narrativa, o que fez London chegar ao extremo de descrever essa aristocracia operária como elemento completamente apartado da massa de trabalhadores, vivendo em bairros separados, com escolas específicas para seus filhos, etc. De igual modo London hiperboliza o quadro social do lumpem-proletariado, chamado no livro de "povo do abismo", uma massa de miseráveis, extremamente violenta e ignorante, também apartada do convívio comum e que tinha sua funcionalidade social: barbarizar e servir de massa de manobra aos interesses do Tacão de Ferro.
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