resenha de alguns trechos de ''Interpretação do Brasil'', de Gilberto Freyre
Literatura
e arte também pertencem ao domínio do sociológo, do historiador
social, do antropólogo e do psicólogo social, porque através dos
personagens pode-se abordar os tipos sociais e o ethos nacional.
Durante
muito tempo, a arte e a literatura no Brasil permaneceram pouco
articuladas com as características sociais, sobrepujadas pelos temas
coloniais e europeus.
Aleijadinho
Aleijadinho,
escultor mulato das igrejas coloniais do século 18, na região das
minas de ouro, foi um dos poucos artistas que surgiram com uma
mensagem artística socialmente significativa, justamente por romper
com as características europeias, criando algo inovador.
Filho
de um artesão português e uma negra, acometido por uma doença que
lhe comeu a maior parte dos dedos, Aleijadinho parece estar ligado a
parte proscrita da população, nutrindo sentimentos de revolta
contra o meio social.
Através
da arte religiosa, Aleijadinho expressa consciência social de
potencial revolucionário, numa suposta identificação com os
mártires do cristianismo primitivo e os antigos profetas que
denunciavam os pecados sociais.
A
maneira satírica e sarcástica de exagerar características de raça
indica sua revolta contra a dominação e a exploração da região
das minas, com especial enlevo para os judeus.
Aleijadinho é produto social dessa região. Através de sua arte, das
deformações que impingia aos algozes do Cristo, Aleijadinho tinha o
desejo de transmitir uma mensagem política.
Freyre
o tem como um precursor da arte moderna na América Latina, em cuja
obra existe uma intenção política simbólica, ao mesmo tempo que
uma tendência ao exagero, a deformação, a caricatura. Também
teria antecipado a arte literária moderna do Brasil.
Quanto
aos autores da época de Freyre, muito embora fossem influenciados e
imitadores das literaturas europeias, persistem fortemente
brasileiros por sua maneira de exagerar, fazendo a realidade mais
real. Jorge Amado seria o grande expoente dessa safra de autores.
A
sátira, traduzindo interesse por problemas sociais e revoltas
populares, é uma característica da literatura brasileira. Ao longo
da historia, figuras eminentes foram alvo das sátiras de escritores
e populares. No decurso da historia da imprensa pode-se notar
inúmeros casos de chacota pública e coisas do tipo.
Gregório
de Matos
Também
no século 18, na Bahia, viveu um homem de muito talento, Gregório
de Matos, notável por seu talento satírico no módulo do verso.
Critico social de importância considerável, Gregório foi mestre em
descrever tipos sociais e caricaturar.
Primeiro
poeta brasileiro a interpretar as tristezas e alegrias da vida
brasileira, transitando de padrões quase exclusivamente europeus
para uma cultura mestiça e extra-europeia, Gregório foi um
impiedoso sátiro, criticando eminentes figuras da sociedade da época.
Se
por um lado Gregório de Matos tinha um perfil mais intelectualizado,
Aleijadinho reuniu mais força emocional e simbolismo em sua obra.
É possível que Aleijadinho, por sua condição de filho de um negra,
tenha tido mais contato com arte e verso populares que seu
contemporâneo Gregório de Matos, este, bacharel sofisticado.
Cultura
popular no Brasil
A
grande arte popular do Brasil colonial foi a votiva, de fortes
inspirações na fé popular. Arte esta variada, compreendendo imagens
e esculturas.
A queima dos Judas foi outro aspecto da cultura popular dessa época.
Uma oportunidade para as pessoas do povo satirizarem condutas que
reprovavam em seus dirigentes.
Na
confeitaria indígena e popular também havia elementos
caricaturescos, como uma longa lista de bolos e doces com nomes
profanos. Barriga de freira era um desses nomes.
A
mesma tendência caricaturesca encontrava-se nas canções e versos
populares do período. Versos que continham uma profunda impressão
do imaginário popular.
A técnica da caricatura também é marcante no teatro nacional, na chamada Revista. Havia na imprensa bastante liberdade para os autores das revistas caricaturarem figuras publicas da política.
Esse
tipo de caricatura era tão disseminado, que políticos pouco falados
forjavam caricaturas afim de ganharem visibilidade.
O
rei Do João VI, por exemplo, foi muito ridicularizado por comer
feito um glutão. Pedro II foi livremente criticado e caricaturado
pela imprensa por causa de seu entusiasmo por astronomia e hebraico,
ou outras excentricidades. Dom Pedro era chamado de ``Pedro Banana``,
apelido dado a gente mole e preguiçosa. O presidente Hermes da
Fonseca recebeu apelido de Dudu, e, ao longo dos seus quatro anos de
mandato, foi alvo de inúmeros artigos e caricaturas, que o troçavam
por sua fama de espalhar má sorte.
Com
o tempo, por conta das caricaturas, esses chefes políticos ganharam
afeto e simpatia de muitos.
Literatura
moderna / Geração de Lins do Rego e Jorge Amado
A
atmosfera da caricatura também marcou a literatura e a pintura,
seguindo a linha de crítica e revolta social. Lins do Rego e Jorge
Amado foram mestres na caricatura, para detrimento do realismo
fotográfico.
Seus
romances lembram as esculturas de Aleijadinho e a poesia satírica de
Gregório de Matos.
Suas
personagens são verdadeiros tipos sociais brasileiros, alçados à
condição de heróis do povo, verdadeiros símbolos da resistência
e da vitalidade afro-brasileira.
Na
opinião de Freyre, escritores como Lins do Rego, Jorge Amado, Rachel
de Queiros, Amando Fontes, Viana Moog e Érico Veríssimo contribuíram
mais que economistas e políticos no propósito de expurgar os
excessos de tradição e de rotina colonial.
A
literatura precedente, apegada a normas e prescrições acadêmicas,
de rígida técnica lusitana ou europeia, não permitia a expressão
de uma interpretação rigorosa da realidade brasileira.
Os
autores modernos rompem com as técnicas convencionais e colocam a
mão na ferida, evidenciando os confrontos entre brancos e pretos,
expondo de forma enfática os conflitos sociais., o que os coloca em
oposição frontal ao patriotas, que, por sua vez, defendiam a teoria
de uma literatura feita para propagar o que de bom e agradável havia
na vida brasileira.
Poetas,
historiadores, ensaístas, críticos literários e pintores
contemporâneos de Freyre contribuíram para romper com a tradição
colonial.
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