terça-feira, 17 de maio de 2016

Casa grande e senzala... resquícios



Hoje revi aquele último filme protagonizado pela Regina Case, que justiça seja feita, é sim uma ótima atriz. Tava com a tv ligada no Canal Brasil e vi que o "Que horas ela volta" seria transmitido. Entre outras tarefas corriqueiras me detive ali para revê-lo.
Filme de crítica ácida à pequena burguesia nacional, uma pancada nessa classe média-alta de merda que existe no Brasil.
Lembro que muito se falou da obra quando da sua estreia. À época choveram críticas, tanto positivas quanto negativas. Meio mundo deu pitaco na película, sinal de que ao menos o diretor conseguiu atrair atenção e estimular o debate.
De cara, me filiei aos que teciam elogios. Não entendi ou preferi não entender os argumentos do lado oposto. Agora penso que o mais razoável mesmo é desconsiderar os melindres elitistas dos que se negam a constatar o óbvio.
Se de fato existe uma classe dissimulada e hipócrita, essa é  a elite branca do capitalismo ocidental. A nossa aqui no Brasil tem peculiaridades capazes de surpreender, com requintes de crueldade mas com toques de sutileza muito pertinentes à dissimulação.
Nisto os políticos brasileiros são insuperáveis; o homem cordial levado ao paroxismo. Tudo o que há do mais sofisticado oportunismo em nossa cultura de cordialidade interesseira.
O estereótipo representado no filme, da classe média-alta da metrópole paulistana em suas relações patronais com as domésticas nordestinas, é, na verdade, algo muito mais próximo da realidade do que os cronistas burgueses estão dispostos a admitir publicamente.
O filme em questão é exitoso em exprimir o mal estar latente na relação patrão-empregado no interior de um casarão burguês.
O constrangimento é praticamente inevitável numa situação similar, na qual os interesses de classe e as relações trabalhistas se passam dentro da intimidade de um lar. Ali as contradições assumem um caráter impar, de um estranhamento singular.


O que pensar, por exemplo, de uma dondoca que bate panela pra inserção do PT na tv mas que deixa a louça pra empregada lavar? Vamos considerar essa hipótese pra pensar melhor a questão. De fato é o que acontece em muitas casas por aí.
Uma quadra instigante do filme é quando a filha da empregada passa com louvor no vestibular. A reação da mãe é de deslumbre perante o sucesso da filha na prova, enquanto a reação da patroa é de ressentimento. A burguesa não aceita de bom grado a possibilidade de ascensão social da menina pobre. Esta expectativa põe em risco sua posição privilegiada.
Nisso o filme termina com um happy-end, um alento ao senso comum de que o acesso à educação é por si só uma alternativa à pobreza.
Doce ilusão essa. Mais palatável do que se dar conta de que a autonomia completa só pode ser fruto de uma justiça social ainda mais inclusiva do que este sistema social pode permitir. Esse sonho fica aos que preferem acreditar, como eu, que o ideal seria um mundo em que a profissão de empregada doméstica nem existisse, porque cada um ficaria responsável pela própria louça.


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