segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Carnaval não é comigo!

Tenho uma confissão a fazer. Não gosto de carnaval. Na verdade nunca gostei. Quando eu era criança minha família me levava pro carnaval e sempre tinha que vir alguém comigo antes do horário, porque eu ficava profundamente incomodado com aquela barulheira, com a aglomeração, com as serpentinas caindo por cima. Olhava aquela turma mega-animada e ficava me perguntando do porquê de tanta euforia. Naquela época, quase trinta anos atrás, devia rolar lança perfume adoidado. Eu não vou lembrar.
Falo de bailes de carnaval em clubes, lugares fechados. Em São Paulo não havia tradição de carnaval de rua. Agora retomaram a moda dos blocos de rua e o centro da cidade virou uma bagunça. Parece que os banheiros químicos disponibilizados pela prefeitura não bastam à multidão que se comprime nas ruas. Ou então essa galera não gosta de urinar em banheiros químicos. Muita gente tem urinado ao ar livre. A gente passa pelos cantos menos iluminados e sente um cheiro forte de urina. Até as meninas tem feito xixi no meio da rua. Um conhecido meu dizia, horrorizado, que agora as moças tem duas manias ruins: coçar a virilha em público e urinar no meio da rua. Esse conhecido é mais velho e não anda contente de ver a mulherada se libertando de arcaicos estereótipos. 
Essa polêmica de fazer xixi na rua me fez lembrar outros carnavais, os da praia. Não sei se ainda acontece, mas em um deles na Praia Grande vi que uma das diversões do pessoal era mijar em saquinhos e atirá-los nos pés das moças bonitas. Carnaval poder ser bom pra quem gosta mas é inegável ser uma data em que a razão cede espaço aos instintos mais primitivos e onde muita gente perde a noção do ridículo. O que é perfeitamente aceitável quando, apesar de tudo, há respeito e a diversão de uns não infringe o sossego e a privacidade de outros. É difícil, mas se não for assim vira terra de ninguém.
Eu topo ver o carnaval pela tv, contemplando os belos corpos das passistas, assistindo pela Globo News os blocos de rua Brasil afora e me assombrando com a coragem das pessoas em se meter no meio de uma multidão e passar por todo tipo de aperto pra seguir na retaguarda de trios elétricos que emitem sons tão fortes que me fariam colocar o coração pela boca.
Eu adoro flanar por aí e por curiosidade passei pelo carnaval do centro de São Paulo. E me espantei com o cenário de fim do mundo. Ruas extremamente sujas e com forte cheiro de urina, gente caída, atravessada nas sarjetas, gente vomitada, gente passando mal. Era a barbárie.
O carnaval dos bolivianos perto de casa tem tudo isso também, mas com uma porra de um spray de lata que as pessoas ficam espirrando umas nas outras. Esse ano já tive que alterar meu caminho para não ter de passar por lá. Ano passado me espirraram espuma até não poder mais. As pessoas saem irreconhecíveis do mar de gente que troca jatos de spray de espuma.
Bakhtin tinha a tese de que o carnaval é um período em que quebram-se hierarquias, padrões e condutas normativas por um breve espaço de tempo em que vigora uma permissividade capaz de despertar e efetivar, ainda que muito fugazmente, desejos e fantasias reprimidas.
E talvez, e esse é um medo que tenho, minha antipatia com o carnaval seja uma reserva de fundo moral, uma internalizada objeção ao caráter libertário da festividade. Todo mundo traz em si contradições que reverberam ora aqui ora ali sem que haja deliberação objetiva para tal. Às vezes eu me assusto com algumas inclinações. Será que essa minha antipatia com a folia é um ato-falho a revelar o que eu trago de mais aristocrático escondido em mim?
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