sexta-feira, 7 de outubro de 2022

O pensamento político de Maquiavel

(Que seu professor de história no ensino médio provavelmente não te falou).



Tido como o criador das ciências políticas, Maquiavel é um pensador da Renascença que antecipa pontos importantíssimos que seriam depois trabalhados por teóricos do quilate de Hobbes e Marx. A questão do contrato social, que seria trabalhada no século seguinte por Hobbes, Locke e Rousseau, e a questão da luta de classes, que seria super-elaborada por Marx no século 19, são questões determinantes do pensamento político maquiavelino. Apesar de ter entrado para a história com o sinônimo maquiavélico, que significa o desejo despudorado e antiético pelo poder político, Maquiavel tinha um pensamento bastante democrático e inclusivo. Prova disso são seus principais escritos: O Príncipe e Discurso para a primeira década de Tito Lívio. 

Ao longo de sua obra O Príncipe, o autor se dispõe a traçar os modos como um governante pode permanecer no poder. E estrutura sua escrita recorrendo a exemplos históricos, e colocando de modo pragmático quais seriam as astúcias e artimanhas de um homem disposto ao poder político. Mas não por isso Maquiavel prescinde de considerações morais e éticas. Com efeito, ao longo do texto lastima os exemplos tirânicos e faz questão de elogiar os governantes humanistas. 

Para entender Maquiavel é necessário compreender o homem do renascimento. Maquiavel era um moderno, que vinha de um rompimento com o mundo medieval e suas concepções teocêntricas de mundo e sociedade. Para Maquiavel importavam os valores de nobreza, hombridade, virtude, etc, mas era necessária também uma análise fria da política. E política são interesses em jogo. Os homens se unem em sociedade por interesse de auto-preservação, optam pela vida coletiva para fugirem de eventuais violências, mas precisam determinar para essa sociedade um código que resguarde internamente seus cidadãos, para que o convívio seja minimamente harmonioso e para que a vida siga funcional para todos. O homem para Maquiavel não é um ser naturalmente bom, mas um sujeito de interesses, e que em busca de seus interesses fará o mal. Cabe então que a sociedade civil se conforme politicamente para precaver a tirania e o despotismo, a violência e a injustiça. 

Há modos variados de se chegar a isso, distintos regimes políticos que podem ser empreendidos, mas que em suma precisam nascer de um pacto que se arranjará pela política. E a política é potência, o direito é potência, como diria o filósofo Espinosa.  Esse conceito é determinante em Maquiavel. As forças políticas em jogo se arranjarão de modo a estabelecer esse poder político no qual a sociedade encontrará seu funcionamento. 

Os grandes da sociedade naturalmente vão querer impor seus desejos, ao que o povo fará objeção, porque há os que querem oprimir e do mesmo modo há os que não querem ser oprimidos. E haverá então um mecanismo de contrapesos. Contra os interesses dos poderosos, haverá a contramola que resiste. A sociedade é imersa em interesses, em interesses materiais. O rico desejará acumular, e o pobre lutará por não passar fome. O poderoso tentará permanecer no poder e usufruir deste poder, e o povo fará o possível para não se ver ultrajado e explorado. 

Se o governante for sábio, se for arguto e perspicaz, tratará o povo de forma benéfica, de modo a não ceder ensejo para ocasiões de descontentamento e rebelião. Como diz em O Príncipe, o governante pode se impor pela força, mas é preferível que seja amado. 

E deste modo a astúcia do governante será provada por uma constituição civil que estabeleça um saudável equilíbrio entre as forças políticas, entre os grandes e o povo. A participação do povo na política será importante para que este tenha seu espaço e encontre soluções para suas demandas, de modo que não se verá excluído, mas partícipe, e que não tentará por outras vias fazer cumprir o seu direito. A lei então tratará de consolidar uma sociedade harmoniosa, onde os grandes serão impedidos de usurpar o povo, e este, conciliado com as frações poderosas por meio de um entendimento político, permanecerá pacífico.

Poderá haver tensionamentos políticos nas altas esferas do poder, com conspirações palacianas e tentativas de golpe, mas que sempre encontrarão no povo resistência, pois que este batalhará por seu governante. 

De tudo isso, depreendemos que o pensamento político de Maquiavel é bastante democrático, e suas concepções e análises  são bastante avançadas para sua época. A análise de base material, apesar dos laivos moralizantes e de resquícios supersticiosos do pensamento, é a análise realista de antagonismos sociais postos, que, como Marx assinalará depois, é histórica e dialética. A história da sociedade é a uma história de luta de classes. E o que determina o poder político é a força. 

Para os homens do tempo de Maquiavel, a fortuna era elemento significativo das narrativas e do entendimento. Bem como a virtú. Ao longo de seus textos vamos nos batendo com essas concepções de boa ou má sorte, de auspiciosidades, ou de considerações que podem parecer muito moralistas, mas tais concepções ladeiam uma concepção de teoria da política muito progressiva para o seu tempo, que é eminentemente material e realista, pragmática e de aspiração democrática.




* Fortuna: sorte ou azar, o destino e suas vicissitudes. 

* Virtú: virtude, mérito de um pensamento perspicaz e sábio. 





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