domingo, 21 de agosto de 2016

Restaurante peruano

                                   



                                      conto semi-erótico de eu-lírico feminino

Sempre me lembro do incidente no restaurante peruano. Aquele dia me marcou como um ápice de cumplicidade entre nós, e de uma intimidade que jamais haveria de experimentar com outra pessoa.
Aquele dia, inclusive, desponta na minha memória com um grau de magia e mistério a que acontecimento algum em minha história se assemelha.
Foi uma segunda feira comum, despretensiosa. Vínhamos por uma dessas desditosas ruas do centro da cidade, e o pôr do sol ofuscava nossas vistas; o clima era agradável, de sol de inverno, de céu limpo com rasgos avermelhados no horizonte.
Adentramos de braços dados no recinto simples, de decorações coloridas nas paredes maltratadas. Cumprimentamos habitualmente o homem baixo de feições indígenas que nos recebia com sorriso tímido, e nos sentamos numa mesa colada a uma das colunas, no fundo do salão.
Ele pediu a mesma comida gordurosa de outras tantas ocasiões e falávamos da vida e dos planos para nosso apartamento. A conversa era entrecortada de piadas adolescentes e risadas desmesuradas, além de meus beijos furtivos, que o deixavam embaraçado.
Meu bem comia feito um glutão. Ao final pediria um mate quente para acompanhar seu cigarro.
Seus olhos eram de místico, e seus lábios, úmidos.
Aquele tempo era de muitos sonhos pra nós; eu querendo arranjar um filho seu e ele com utopias transbordantes no peito de jovem rebelde. Meu bem era do tipo que acreditava em teorias da conspiração e que se envolvia em movimentos insurgentes; tinha o hábito curioso de colar trechos de Vigiar e Punir nos corredores da faculdade e de se aproveitar dos piquetes de greve pra atirar as confortáveis cadeiras dos professores nos cestos de lixo.
Naquele dia eu o desejava, como sempre. Deixei-o caminhar até o banheiro e esperei um minuto pra me levantar a seu encontro. Olhei para os lados, e, em breve inspeção, não muito apurada, calculei minhas possibilidades. Me dirigi à porta e alcancei-o no lavabo. Me precipitei sobre seu pescoço e o empurrei de volta ao banheiro.
Sua barba por fazer roçava deliciosamente em minha pele; seu cheiro era frugal, e a mim sempre pareceu irresistível. Tudo nele me agradava; e lembro de seu deleite ao espalmar minhas coxas e perceber a luxúria à qual me entregava.
Dois minutos depois fomos interrompidos por batidas na porta. Descompostos e morrendo de vergonha saímos. Era o homem baixo, que sorriu amarelo e pediu desculpas.
Pagamos a conta e ganhamos a rua já escura, sendo novamente tragados pelas luzes da cidade.
De toda nossa intensa jornada, esse dia me marcou com especial relevância. Me lembro embevecida da paixão que consumia nossa juventude. A saudade dói agora, e lembrar disso tudo me soa contraditório. Ah, se fôssemos até esse momento o que fomos aquela tarde no restaurante peruano... O duro da vida é que grandes momentos, invariavelmente, caem no passado e se tornam terríveis saudades.

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