quinta-feira, 4 de agosto de 2016

A ideologia deles e a nossa

Liguei a TV na Canção Nova hoje e vi que tava passando um "debate"sobre educação de crianças e jovens. Me detive na frente do aparelho e fiquei ouvindo a argumentação do convidado e do apresentador do programa; o convidado, um padre, e o apresentador, um escritor do tipo apologeta, muito conhecido no meio católico.
Quem conhece a TV Canção Nova sabe que se trata de uma mídia que prima por uma defesa aguerrida de ideias conservadoras, com um discurso de forte tom moralista.
Pois bem, vira e mexe a emissora faz uns programas pra descer o cacete em temáticas da esquerda e de movimentos de minoria, pra criticar projetos como discussão de gênero nas escolas e pra convencer seus telespectadores de que a família brasileira precisa estar atenta à manutenção de sua moral e bons costumes.
Então eles ficam repetindo a velha toada reacionária de que há doutrinação de esquerda nas escolas, de que existe um poderoso lobby gay por detrás de projetos como a união civil para homossexuais, etc. No entanto, sempre ocultam o fato do próprio congresso nacional brasileiro ser tomado por lobbys evangélicos.
No programa que passava assim que liguei a TV, o padre reafirmava tudo isso e dizia que os pais precisam tomar cuidado para que os filhos não sejam submetidos a tal "doutrinação", para não se tornarem, as crianças, vítimas de uma ideologia oposta ao que a igreja prega.
E o padre elaborava seu raciocínio como se não fosse ele próprio detentor de uma ideologia. Ora, o que é todo esse discurso senão ideologia também? Então só vale a ideologia quando ela é do lado deles? Isso pode ser falta de inteligência, mas também pode ser cinismo. E entre pessoas com certo grau de instrução, gente que fez faculdade, tende muito mais à hipocrisia que à ignorância.
E à pessoas com ética suficiente para não envolver a educação das crianças em querelas morais, não cabe silenciar diante da ofensiva conservadora nas instituições educacionais.
Não é nada democrático idealizar uma escola em que só haja espaço para uma ideologia, em que as outras sejam relegadas ao ostracismo, ao índex do que é vetado a priori.
Muito tem se discutido sobre isso agora que os defensores da "Escola sem partido" se lançam às câmaras parlamentares objetivando a todo custo impor um retrógrado modelo escolar.
Eu, particularmente, fico muito chateado ao constatar essa movimentação geral. Primeiro porque como militante de esquerda me indigno de ver o avanço de ideias tão atrasadas; e segundo porque sou católico, um católico progressista e democrático, e me ressinto de ver, que, a despeito do espírito progressivo e inclusivo do Papa Francisco, tão enfático na defesa de um mundo mais compreensivo, a direita conservadora ainda nada de braçadas dentro da santa sé e nas igrejas mundo afora, inclusive nesse terceiro mundo cravejado por tamanho subdesenvolvimento e miséria. E onde a miséria material predomina, as ideias miseráveis encontram mais saída.


segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Os direitos humanos e a esquerda / Concepções de violência e tortura nos marxistas



O presente texto visa discutir a emergência dos movimentos por direitos humanos no Brasil no bojo da repressão às guerrilhas contra o regime militar, nas décadas de 60 e 70. No período em questão, as forças repressivas do estado brasileiro lançaram mão de um sem número de métodos de tortura em interrogatórios, com o intuito de desbaratar guerrilhas urbanas e rurais que surgiam em oposição ao golpe civil-militar de 1964.

Ato contínuo, a esquerda brasileira se viu instada a recorrer aos direitos humanos para defender os prisioneiros do regime. Até então pouco se falava em direitos humanos no Brasil, tido como pauta liberal-burguesa, que as esquerdas rejeitavam por conta de uma concepção materialista dialética que naturalmente se alinhava mais à reivindicações classistas.

Nesse sentido, o encontro da esquerda com os direitos humanos pode ser encarado, por assim dizer, como o encontro de uma análise marxista mais geral com demandas do âmbito da micro-política.

A amarga experiência da tortura e a luta armada

Foi a ocasião severa da conjuntura política que fez com que militantes oriundos de classes mais abastadas fossem detidos pela repressão e submetidos a tratamentos normalmente dirigidos aos marginalizados da sociedade.
Não que o período anterior ao golpe de 1964 não tenha histórico de repressão a movimentos políticos e sociais tidos como subversivos pela ordem vigente. Em outros períodos, comunistas ou democratas já haviam sido conduzidos aos cárceres ou postos na clandestinidade.

Mas foi a partir da experiência de cárcere e tortura empregados após o golpe de 1964, com a vigência dos atos institucionais, sobretudo o quinto, de 1968, que recrudesceram as perseguições e hostilidades a quem ousava se insubordinar contra o governo.
Inúmeros grupos guerrilheiros surgiram na tentativa de impor resistência ao avanço dos militares, que por sua vez contavam com o financiamento e o treinamento de forças civis ou estrangeiras. O referido corte histórico configurou período conturbado na política nacional, com cassação de parlamentares, perseguição a membros das forças armadas que se opunham ao regime, etc.



Destaca-se a OBAN, Operação Bandeirantes, organização civil de empresários favoráveis ao regime, e toda uma gama de órgãos criados para o estabelecimento da ”ordem” política no país.
Em oposição, diversos partidos ou frações que aderiram à luta armada, se lançaram em operações de expropriação revolucionária de bancos e similares com a finalidade de financiar a compra de armas e a manutenção das organizações na clandestinidade.
Essa foi a conjuntura política que conduziu uma parcela da esquerda aos ”porões da ditadura”, locais onde militantes de classe média conheceriam a tortura, método até então reservado a presos comuns.
Por isso a emergência da pauta de direitos humanos pela esquerda. A esquerda, até então ambientada às análises de conjuntura mais abrangentes, aos balanços mais objetivos e à caracterização das forças sociais e políticas decisivas para os acontecimentos políticos, aprendeu, com o contato duro das prisões, a lidar com uma pauta até então colocada em segundo plano em função de uma concepção leninista de história, que via outras questões como secundárias ou simplesmente liberais. Fazer a experiência da violência policial destinada aos marginais foi, em síntese, o que sensibilizou a esquerda para o discurso dos direitos humanos, trabalho social antes executado por movimentos religiosos, como pastoral carcerária e afins, movimentos sobretudo capitaneados por adeptos da teologia da libertação.

A legitimidade da resistência

Entendemos que a violência empregada pela repressão legitima a violência que surgiu para se opor ao golpe e ao estado de exceção. Com o parlamento cassado, os sindicatos sitiados, a dura repressão à organização das massas trabalhadoras e às entidades estudantis, muitos grupos políticos optaram por se lançar na luta armada. Mas tais grupos mormente respeitavam convenções internacionais de guerra e tinham uma base ética que faltava aos militares brasileiros. Crimes como tortura e ocultação de cadáveres nunca foram cometidos por grupos revolucionários.
Há muitas coisas que podemos constatar. Muito se fala sobre execução de traidores, condenados por cortes revolucionárias, por exemplo; contradições inerentes à situações extremas, circunstâncias típicas de embates dessa magnitude e que invariavelmente despertam desmentidos, contestações, etc. Mas, verdade seja dita, a esquerda guerrilheira nunca se dobrou a métodos desonestos ou antiéticos como a tortura.
Muito embora a esquerda não fosse movida por moralismos, sempre se opôs à execução de prisioneiros ou civis e jamais admitiu tortura.
Luciano Oliveira, em seu livro Imagens da democracia, coteja autores como Lênin e Trotsky para trazer à tona a relação da esquerda com a ética e diversas resoluções históricas tomadas nessa esfera por governos operários. Com isso, Oliveira deseja retomar a história da militância marxista em sua relação com a violência e os interditos éticos. Interessantíssimo é rever que a revolução bolchevique aboliu a pena de morte, mas também não hesitou em apelar ao terror vermelho diante do terror branco, quando das investidas de tropas contra-revolucionárias contra o poder soviético.
Diante do rigor da violência exercida pela reação, autores e líderes marxistas sempre defenderam a igual oposição violenta ao estado e a suas instituições, sem titubear frente a valores morais.
Tal disposição à resistência violenta, por sua vez, no entendimento de históricos líderes revolucionários, nunca legitimou atos como a tortura, por ser esta entendida como um ato degenerado da moral burguesa, um desvario, algo abominável e injustificável.
Entre os clássicos do marxismo do início do século passado, a geração que logrou fazer a revolução russa, muito se escreveu sobre experiências de cárcere e exílio, mas pouco ou quase nada se fala de tortura.
Os bolcheviques do início do século não passaram pelo horror da tortura. Essa não era uma questão colocada naquele momento histórico. Ao contrário das esquerdas latino-americanas, que tiveram que passar por um regime de exceção que abriu mão de quaisquer escrúpulos éticos, a geração de marxistas do século 19 e início do 20 não chegou a se deparar com o método da tortura, em desuso na Europa desde fins do século 17.
Autores como Marx, Engels, Lênin e Trotsky chegaram a tocar em outras questões espinhosas, como execução de reféns e fuzilamentos, por exemplo, argumentando que toda violência empregada contra adversários de classe era legítima na medida em que esta ocorria para se contrapor à violência desferida contra os revolucionários e a classe trabalhadora.

O ex-guerrilheiro argentino Sorel, em texto clássico sobre a violência, publicado em 1908, condena os métodos da inquisição medieval e do terror jacobino na revolução francesa, e classifica a violência proletária como limpa. A luta revolucionária, segundo o autor, ocorreria com vistas a subjugar o inimigo irreconciliável, excluindo quaisquer abominações ou desonras.
Em livro sobre a história das organizações da esquerda revolucionária brasileira, publicado no ano de 1987, Jacob Gorender diz que a violência praticada pelos revolucionários acontecia de acordo com princípios éticos que visavam preservar-se da moral corrupta das classes dominantes.
Gorender admite que os grupos armados mataram, praticaram atos de terrorismo, seqüestraram e inclusive chegaram a executar traidores condenados por uma justiça revolucionária, mas argumenta que episódios de tortura jamais foram verificados nas guerrilhas .
A violência revolucionária não era uma violência gratuita, com finalidade de infligir dores ou castigos, muito menos com ranço revanchista. A violência era praticada com objetivo político. Era uma violência limpa, por assim dizer, que se precavia de atos moralmente degenerados e que, principalmente, encontrava sua razão de ser na luta por democracia, fazendo frente a todo tipo de barbárie que ocorria em instalações dos órgãos de repressão política.

Concepção marxista de direitos humanos

Como vimos, desde as décadas de 60 e 70, a pauta de direitos humanos foi assumida pela esquerda brasileira não mais como questão secundária sem movimento próprio, por ser enquadrada como contradição secundária específica, mas foi admitida e incorporada no conjunto de uma plataforma de direitos básicos do cidadão. O direito à integridade física será defendido como direito à vida, no mesmo patamar político dos direitos à saúde, à moradia, à educação, etc. O que configura um grande avanço no campo do direito social, haja visto que todo tipo de crime contra a humanidade era corriqueiramente praticado pelas forças de segurança contra pobres, moradores de periferia e pessoas marginalizadas. A partir de então, lutou-se e defendeu-se muito mais os direitos humanos no Brasil, sistematizando-se um movimento em sua defesa que até então não gozava de organicidade considerável.
Outra característica da inclusão dos direitos humanos na pauta da esquerda foi uma crítica ao que se julgava liberal-burguês ou individualista no que concernia à natureza da pauta, aproximando-a do combate por direitos sócio-econômicos.
Bem sabemos que a pauta dos direitos humanos pode ser facilmente instrumentalizada pela direita e pelas classes burguesas, que, em algumas ocasiões, lançam mão do termo direitos humanos associado ao direito à propriedade, por exemplo, ou reclamando direito à expressão ou liberdade de imprensa como forma de se blindar de medidas governamentais por gestores progressistas.
Mas, em suma, grande parte da militância por direitos humanos, no Brasil e na América Latina, surgiu vinculada à teologia da libertação e com um discurso de fortes críticas às premissas individualistas do liberalismo clássico.
Diversos autores surgirão com uma ácida crítica aos movimentos de individualismo burguês que se circunscrevem na defesa da ordem capitalista. Autores como estes criticarão os fundamentos do direito moderno, tido muitas vezes como avalizador formal de fenômenos típicos da sociedade capitalista, como circulação de mercadorias e a própria compra da força de trabalho do proletário pelo burguês.
Afinal, a crítica de Marx aos direitos humanos fazia sentido. O discurso jurídico pós- revolução francesa atomizou os homens para estes se relacionarem entre si com o intemédio do estado, como pontua o argentino Oscar Correas; permitindo que a vida, a liberdade ou a propriedade apareçam como direitos naturais. A declaração dos direitos do homem de 1789 é afiançadora do modo de produção capitalista; é a zeladora jurídica do status quo burguês.
Verdade que a promulgação de 1789 garante princípios de direitos universalmente caros à vida. Na verdade, um avanço progressivo que o marxismo irá caracterizar como mais uma das transições do homem ao sistema igualitário a ser visado.
Os novos movimentos sociais, movimentos de minorias e o próprio movimento por direitos humanos foram ganhando autonomia e vulto com o passar dos anos e dos processos de luta por visibilidade dentro da pauta geral dos movimentos. Muitos foram cooptados por matriz ideológica distinta da inclinação inicial à esquerda, e hoje se encontram em partidos ou filosofias alinhadas com o liberalismo ou mesmo com o conservadorismo.
Em geral, os movimentos foram aos poucos se tornando independentes de partidos ou movimentos supra-partidários, com pauta específica elaborada que muitas vezes se situa mais no domínio do sócio-cultural do que no econômico ou da luta de classes. Os próprios partidos acatam em seu seio setoriais de temas específicos, como movimentos pelo direitos das mulheres, dos lgbtt´s, etc, mas a tendência geral foi a independência política de tais movimentos.


Bibliografia
Imagens da Democracia, Oliveira, Luciano. Pindorama, 1995, Recife-PE

sexta-feira, 8 de julho de 2016

Nostalgia

Nostalgia
Há pouco mais de 15 dias perdi minha vó paterna, Dona Leonor. Minha vó era filha de espanhóis que chegaram ao Brasil no inicio do século passado. De família numerosa, ao modo habitual daquela época, estudou pouco e começou a trabalhar cedo. Também casou cedo e ficou viúva aos 28 anos, tendo que criar sozinha seus três filhos, sendo o meu pai, o mais novo, um bebê de apenas um ano e meio.
Mas não pense o leitor que esse artigo se trata de uma nota de falecimento. Só achei por bem começar o texto falando da trajetória de minha avó pois foi pensando nela que me peguei relembrando passagens da minha infância, memórias dos dias que passava em sua casa, no Pari, bairro no qual, embora eu não tenha nascido, vivi dos dois anos em diante.
Minha vó vivia numa casa térrea e pequena, ao fundo de uma comprida vila de casas na rua Olarias. Vez ou outra passava o dia com ela. Ficava vendo televisão enquanto ela passava a maior parte do dia sentada diante de uma máquina de costura. Minha vó era costureira de cortinas.
Agora que perdi minha vó há tão poucos dias, sou tomado por uma natural nostalgia daqueles tempos. Lembro do forte cheiro adocicado da fábrica de biscoitos que havia no quarteirão de trás. Naquele tempo o Pari era um bairro mais ameno, um bairro residencial, com muitas casas de muro baixo com jardins à  frente.
Agora o Pari é uma continuação mal acabada do que o Brás foi por muito tempo seguido, ou seja, uma região de comércio pujante, com escassos moradores; lugar de muita movimentação durante o dia e de ruas quase desertas no período da noite.
Natural que as coisas mudem com o tempo, e mais natural ainda que eu tenha nostalgia do Pari da minha infância, o Pari antigo, dos campos de várzea, das praças apinhadas de crianças, dos botecos de esquina onde a gente parava pra pedir água... (naquela época a gente bebia água da torneira mesmo, não me lembro de comprar água mineral).
Por quase uma década vivi com minha família numa casa razoavelmente grande na rua Padre Lima. Lá a gente brincava nas ruas com alguma tranqüilidade; as famílias sentavam a frente das casas enquanto as crianças jogavam bola ou andavam de bicicleta. Lá eu interagia com meninos que moravam num cortiço do outro lado da rua. De lá, por exemplo, me lembro de uma família de onze filhos, todos com nomes que começavam com a letra M. Depois morei na rua da Madeira. E, depois, na Monsenhor Andrade.
Mas o Pari das minhas memórias infantis nao é tão curioso quanto o Pari das histórias inusitadas. Uma das minhas tias, durante o velório da mãe, em meio a uma mórbida conversa, dizia que não desejaria ser cremada depois de morta, e, como argumentação, evocava a memória da historia de um conhecido que morava na rua Rodrigues dos Santos e que quase fora enterrado vivo.
No tempo da febre amarela, o homem, internado no hospital da Santa Casa, depois de tido como morto, foi colocado numa sala com muitos corpos que seriam enterrados no dia seguinte. No meio da noite o sujeito despertou, pulou o muro do hospital e foi pra casa. Bateu na porta mas a mulher, apavorada, não abria. A mulher, desesperada e aos prantos, gritava ao marido que voltasse ao mundo dos mortos, que ele não estava mais vivo, que fosse embora dali. A filha teve que acalmar a mãe e abrir a porta ao pai. Minha tia conta que o homem ainda viveu muito depois do incidente, que morreu depois da mulher, inclusive.
Hoje tendo a ver o Pari de forma mais amarga, e me ressinto sobremaneira de ver que com o tempo não veio a virtude. É duro ver que o bairro abriga uma classe média rancorosa e reacionária. Porque eu tenho saudade do Pari da minha infância, mas não suporto o Pari dos velhos bairristas, malufistas ou tucanos, todos eles uns chatos; o Pari dos senhores que xingam o Haddad porque não querem conviver com os refugiados haitianos ou com os imigrantes bolivianos, por exemplo.
Tenho amor pelo Pari dos meus dias juvenis, dos meus tempos de adolescente, quando ia com os amigos comer os lanches gordurosos da Balneária. (Agora eu sou um rapaz mais saudável, garanto).
Uma vez, voltando do Rei das Esfihas com três amigos, levei uma batida da policia, memorável de tão engraçada. Eu estava com um rosário no bolso. O policial, na hora da revista, tateou-o e perguntou do que se tratava. Falei que era um rosário. O soldado puxou aquele rosário enorme e o meu amigo Edu caiu na risada. O Edu era chamado de Soneca também. Tinha as pálpebras meio caídas, era cabeludo e muito magro. Quase apanhou da PM nesse dia...
Quando chegamos a casa do Ricardo, não sabíamos do que riamos mais; do incidente com a policia ou de um acontecimento anterior no restaurante. Acontece que naquela época o Rei das Esfihas era menor e tínhamos que esperar vagas de mesas. Umas meninas bonitinhas desocuparam uma, e, antes que o Tadeu, lendário garcon pariense, limpasse a mesa, nos sentamos e eu comi uma coxinha que fora deixada ali quase intocada, com apenas uma mordida. O pessoal me chamou de nojento, tirou o maior barato. Eu não tava nem aí... Ah os jovens... meu Deus... É deste Pari que tenho saudades.



terça-feira, 28 de junho de 2016

Dia de reacionário

Tio, adorei essa canjica, disse o garoto com desejo de agradar o padrinho.
- E Jesus, menino?
-Também, tio, disparou a criança sem pensar direito no que dizia.
-Jesus adora canjica?! Não me diga!
O menino fez cara de interrogação e, antes que pudesse articular palavra pra se safar do interrogatório, foi liberado pela avó que disse:
- Sai daqui, peste, vai terminar de engolir isso longe. Hoje tô sem paciência, Alfredo. Você acredita que o delegado não quis fazer o B.O?
- Ah é?
- É. O filho da puta disse que não se mete em briga de vizinho. Falei pra ele que a ladrona me pegou os dois bujões de gás e não devolveu e ele me disse na maior cara dura que emprestado não é roubado. Emprestado não é roubado, emprestado não é roubado, repetia fazendo feição de retardo mental, com os olhos volvidos pra cima.
- Verdade, mãe, tenho que dar razão ao sujeito. Essa dona não é bem uma ladra. É caloteira, isso sim. Vamos dar os nomes certos.
- E agora, como fica?!, indignou-se a velha.
- Eu pago a porra desse bujão.
- Eu não quero que você me pague nada. Eu tô é revoltada com essa lambisgóia. Sabe, Fred, essas coisas deixam a gente sentida. Não é pelo bujão do gás.
- Tá ok, a senhora tá sentida. Mas B.O no DP não é a melhor forma de resolver sentimento. A senhora fica aqui quietinha que hoje à noite a gente vai ver o apóstolo e a bispa. Hoje é o culto do chinelo da prosperidade.
Tá bom, respondeu a anciã resignada.
Sentou na poltroninha surrada e ligou a tv no apresentador do programa policial.
- É isso aí, João- dizia a velha ao apresentador da tv.
- Tá falando com a televisão, vó?, provocou o netinho, com um sorriso detido nos lábios.
A idosa não fez caso do menino e com os olhos vermelhos de raiva esbravejava com o aparelho: - Tem que matar! Tem que matar! Onde já se viu?! Eu disparava com o fuzil na cabeça. Não tem conversa. Tem que matar...
Foi se acalmando e cochilou.




quinta-feira, 26 de maio de 2016

Esse país não é sério


O Brasil é uma piada. Esse país não é sério, definitivamente. Vejam, vocês, habitamos um país em que o vice presidente eleito chega a conspirar abertamente para derrubar a cabeça de chapa presidencial e efetivamente a derruba, não sem o auxílio da maioria do senado e da câmara, que por sua vez também abrem mão de quaisquer escrúpulos de moralidade e na maior cara dura do mundo se vendem aos interesses imperialistas.
A hipocrisia reina quase absoluta por aqui. E é difícil ter de dar mão à palmatória e reconhecer, como o historiador Leandro Karnal o fez nessa semana, dizendo que um país com uma classe política desonesta não pode ser considerado um país de povo honesto.
E a questão aqui não é de analisar o Brasil apenas num contexto de luta de classes e regime eleitoral burguês. Elementos de cultura e história da formação desta nação precisam ser criteriosamente trazidos à superfície para um entendimento a contento do que faz desse país lugar tão trágico. Quem caminha por aí e observa com alguma atenção nosso cotidiano há de concordar comigo que as relações de interesse é que tem dado a tônica dos acontecimentos.
A filosofia de vida do brasileiro pode ser sondada em pequenos e corriqueiros fatos do dia a dia das cidades, nas filas de banco, nos supermercados, nas praças públicas. Ética e solidariedade são coisas cada vez mais raras por aí. Como poderia vigorar justiça em condições semelhantes?
O que dizer, por exemplo, de um lugar onde uma moça é estuprada por 30 homens de uma vez? Existe aqui uma defasagem ética gravíssima. O país do jeitinho, das irrisórias concessões à mentira e à malandragem, é também o país em que milhares de mulheres apanham dos maridos em casa; é o país em que o número de homicídios só baixa por intervenção do crime organizado nas comunidades. Não fosse por ordem de tais poderes paralelos, seríamos o país que mais mata no mundo.
Um dia desses eu tava num ônibus a caminho da faculdade e presenciei uma cena que me deixou estarrecido. Uma jovem entrou no coletivo lotado e em voz alta pediu assento, pois estava gestante. Vários homens estavam sentados mas nenhum lhe cedeu o lugar. Uma senhora idosa teve de levantar para que a grávida não seguisse o trajeto em pé.
O povo é mal educado mesmo. As pessoas raramente dão demonstração de gentileza genuína. Tudo é regulado pelo interesse. As pessoas, vejam só, no máximo estão dispostas a apenas retribuir. São boas com os que "fazem por merecer" sua bondade. Do contrário, na hora da vingança se mostram pródigas em maldades.
É só entrar num vagão do metrô em horário de pico pra ver do que as pessoas são capazes. A civilidade passa longe.
Pois bem, é essa massa que elege o governo e o congresso, os prefeitos e as câmaras municipais. Muitas dessas pessoas vendem o voto por dinheiro ou pequenos favores. Só isso explica o fato de políticos notadamente corruptos obterem votações expressivas. O interesse mais imediato do eleitor confere mandatos de quatro anos a parlamentares que, financiados por patrões, vão votar a política de seus fiadores. O círculo é vicioso e a merda predomina.
Trocando em miúdos, o Brasil amarga estrutura sócio-política frágil, desenvolvimento incipiente e cultura de curral eleitoral. Precisamos rever nossa história urgentemente ou teremos de conviver com estruturas arcaicas que nos massacram diariamente. Falta-nos honestidade com nós mesmos. Um dia há de haver seriedade nessa porra!




terça-feira, 17 de maio de 2016

Casa grande e senzala... resquícios



Hoje revi aquele último filme protagonizado pela Regina Case, que justiça seja feita, é sim uma ótima atriz. Tava com a tv ligada no Canal Brasil e vi que o "Que horas ela volta" seria transmitido. Entre outras tarefas corriqueiras me detive ali para revê-lo.
Filme de crítica ácida à pequena burguesia nacional, uma pancada nessa classe média-alta de merda que existe no Brasil.
Lembro que muito se falou da obra quando da sua estreia. À época choveram críticas, tanto positivas quanto negativas. Meio mundo deu pitaco na película, sinal de que ao menos o diretor conseguiu atrair atenção e estimular o debate.
De cara, me filiei aos que teciam elogios. Não entendi ou preferi não entender os argumentos do lado oposto. Agora penso que o mais razoável mesmo é desconsiderar os melindres elitistas dos que se negam a constatar o óbvio.
Se de fato existe uma classe dissimulada e hipócrita, essa é  a elite branca do capitalismo ocidental. A nossa aqui no Brasil tem peculiaridades capazes de surpreender, com requintes de crueldade mas com toques de sutileza muito pertinentes à dissimulação.
Nisto os políticos brasileiros são insuperáveis; o homem cordial levado ao paroxismo. Tudo o que há do mais sofisticado oportunismo em nossa cultura de cordialidade interesseira.
O estereótipo representado no filme, da classe média-alta da metrópole paulistana em suas relações patronais com as domésticas nordestinas, é, na verdade, algo muito mais próximo da realidade do que os cronistas burgueses estão dispostos a admitir publicamente.
O filme em questão é exitoso em exprimir o mal estar latente na relação patrão-empregado no interior de um casarão burguês.
O constrangimento é praticamente inevitável numa situação similar, na qual os interesses de classe e as relações trabalhistas se passam dentro da intimidade de um lar. Ali as contradições assumem um caráter impar, de um estranhamento singular.


O que pensar, por exemplo, de uma dondoca que bate panela pra inserção do PT na tv mas que deixa a louça pra empregada lavar? Vamos considerar essa hipótese pra pensar melhor a questão. De fato é o que acontece em muitas casas por aí.
Uma quadra instigante do filme é quando a filha da empregada passa com louvor no vestibular. A reação da mãe é de deslumbre perante o sucesso da filha na prova, enquanto a reação da patroa é de ressentimento. A burguesa não aceita de bom grado a possibilidade de ascensão social da menina pobre. Esta expectativa põe em risco sua posição privilegiada.
Nisso o filme termina com um happy-end, um alento ao senso comum de que o acesso à educação é por si só uma alternativa à pobreza.
Doce ilusão essa. Mais palatável do que se dar conta de que a autonomia completa só pode ser fruto de uma justiça social ainda mais inclusiva do que este sistema social pode permitir. Esse sonho fica aos que preferem acreditar, como eu, que o ideal seria um mundo em que a profissão de empregada doméstica nem existisse, porque cada um ficaria responsável pela própria louça.


terça-feira, 5 de abril de 2016

Palestrino, grazie a Dio!

                                                                                      crônica esportiva 

Esse clássico de domingo foi mais um teste pra cardíaco, meu Deus. Mas foi um jogo bom. Foi, sim. O Curíntia não viu a cor da bola. Só deu Verdão pra cima dos caras...
Tá certo que a zaga não é aquela maravilha ainda, mas a retaguarda palestrina entrou mais firme no prélio. Nostro Cuca travou a lateral direita adversária e deixou o meio de campo muito mais consistente com Zé Roberto, que apesar de meio cansado, 41 e batendo bola, Dio mio, garantiu a cobertura do lado esquerdo, mesmo lado que Egídio passeou em campo.
Sim, palestrinos, foi no meio de campo e na lateral esquerda que Cuca ganhou o certame. Qualquer pessoa mais entendida de bola sabe que não adianta ter uma zaga bem postada se o meio de campo é fraco. Time bom mata a jogada antes da intermediária. Nos jogos anteriores, os volantes estavam perdidos. Contra o Água Santa, no campo dos caras, os meio-campistas estavam como cegos no meio de um tiroteio.Cuca garantiu uma boa marcação no setor que vinha sofrendo e travou o lado direito adversário, forte do técnico Tite.
Agora é ajeitar esse ataque, porque a finalização tá uma porcaria, hein... Sofrível, Madonna...
Os caras chegam na frente do gol e não acertam o pé, belo. Aí complica. Dudu e Gabriel Jesus tem ótimo poder ofensivo, mas a custo guardam a bola pra dentro do barbante. Sorte nossa que o goleiro corintiano é um estabanado. Na jogada do gol o cara saiu, como diz o outro, caçando borboleta. E sorte nossa que temos o Prass pra guardar nossa meta. Braço comprido o desse moço. O pênalti defendido foi decisivo pra vitória.
E bora vencer na Argentina amanhã. Que esses meninos merecem uma bela macarronada das nonas e um belo de um vinho tinto. Aqui é Palestra!
Mas aqui entre nós, que falta nos faz o Valdívia, hein. Esse time precisa acertar o pé e jogar com vontade, mas se falta uma coisa pra esse elenco despontar mesmo é um meia habilidoso pra orquestrar a parada! E que venham muitas glórias! Estaremos comemorando em alguma cantina do Bixiga,